O que é o Direito Digital-Médico: 5 razões que tornam imprescindível a especialidade legal, técnica e científica na área

Por Plínio Higasi e Katia Wakita

Muito se fala sobre os avanços tecnológicos havidos em nosso mundo, os quais impactam as mais diversas áreas da sociedade de forma significativa. Entretanto, ainda há pouco debate quando se buscam profissionais da área jurídica com efetivo conhecimento quanto à raiz da tecnologia da informação, seus conceitos lógicos e sua forma de funcionamento.

De forma ainda mais restrita está o conhecimento acerca do Direito relacionado à Tecnologia aplicada à Medicina, ou seja, o Direito Digital aplicado ao Direito Médico e da Saúde, sendo essa carência de análise técnica um complicador para dirimir questões jurídicas acerca da problemática que envolve o tema.

Como exemplo, podemos citar a tecnologia em escala nanométrica (nanotecnologia). Esta tecnologia vem sendo aprimorada para ter sua utilização como tratamentos alternativos em diversas situações na área da saúde a chamada “nanomedicina”, tendo apresentado avanços nas aplicações de “nanomateriais” na medicina tradicional, que ainda se apresentam em fase de testes.

Porém, juntamente com esses avanços tecnológicos, como no caso dos benefícios que a nanotecnologia pode nos proporcionar, encontra-se o fato de que ainda não há conhecimento sobre a limitação de seu uso, o que demanda maiores cuidados justamente pelas peculiaridades e profundidade dos trabalhos envolvidos, conforme podemos expor e debater brevemente abaixo:

  1. Como uma das funções do Direito é a regulamentação da vida em sociedade (a qual está cada vez mais dominada pela utilização fluida de tecnologias), o ordenamento jurídico brasileiro precisa acompanhar os avanços absorvidos pela população, e regulá-los da melhor forma possível. Essa regulamentação é possível somente se houver envolvimento de profissionais cuja especialidade transite todas as áreas envolvidas;
  2. Tanto a área da Tecnologia como da Medicina não são simples para os profissionais da área jurídica, demandando dos profissionais da área de humanas (operadores do Direito, por exemplo), que saibam transitar na áreas relacionadas  biológicas e exatas, o que não costuma ser convidativo àqueles que buscam discussões filosóficas exclusivamente quanto aos aspectos jurídicos;
  3. Os peritos e assistentes técnicos terão suas comunicações limitadas à pormenorização do funcionamento e das regras tecnológicas no caso, até que se chegue à transcrição do caso, a qual competirá ao profissional de Direito, sendo que este deve fazê-la com profundidade e conhecimento informático para tanto. Caso o Operador do Direito não tenha conhecimento pleno na área da tecnologia, correrá o risco de tudo se tornar um “telefone sem fio” inclusive com preparação de lista falha de quesitos, pois apenas uma redação didática e exemplificativa do operador tornará possível a resposta do assistente do Juiz (Perito nomeado), assim como a compreensão do julgador.
  4. Por mais que os fatos jurídicos ocorridos nos meios eletrônicos utilizados para fins medicinais sejam indubitavelmente sujeitos às normas de Direito existentes, como amplamente debatido por estudiosos de Direito quanto à Responsabilidade Civil, cujos requisitos estão previstos nos artigos 927 e 186 do Código Civil Brasileiro, o fator limitante à alegação será a forma de comprovação da existência ou não de culpa do profissional. Por exemplo, em um caso em que o indivíduo tiver sua enfermidade tratada de forma equivocada por uma tecnologia eletrônica médica, como é o caso das cirurgias robóticas, demandará dos profissionais envolvidos o conhecimento relativo ao que poderia ser feito diferente pelo profissional médico, pela tecnologia utilizada, e como o resultado efetivamente buscado poderia ser alcançado.Ou seja, o operador do Direito que atuar no caso exemplificado, precisará explicar pormenorizadamente todo o ocorrido, com a menor quantidade de falhas técnicas possível, para que o Julgador consiga compreender o raciocínio que os peritos e assistentes estão desenvolvendo suas teses e questionamentos

Por fim, e de forma mais importante:

  • 5. O fator temerário será a elaboração de normas sem o apoio de juristas com fácil trânsito na área do direito aplicado às tecnologias médicas, visto que as normas criadas sem a base lógica e funcional das áreas de Informática (hardware e/ou software) e Médica (compreendendo pelo menos a base da forma de funcionamento do corpo humano e seus sistemas), poderão surtir efeito contrário ao esperado, e ao invés de regular de forma adequada e condizente com a realidade os fatos jurídicos, as normas redigidas sem discussões com profissionais de alto nível poderão gerar ainda mais injustiças e imbróglios pela falta de discussão hábil sobre os temas.

Assim, como pode-se verificar pelos pontos citados acima, o Direito frequentemente auxilia e cada vez mais auxiliará a Medicina em meio aos avanços da Inteligência Artificial, pois é extraordinário o que a tecnologia vem alcançando na área da saúde, propondo soluções que facilitem o trabalho dos profissionais e alternativas aos pacientes envolvidos, assim como já vem acontecendo na área jurídica, como as legaltechs e lawtechs.

Contudo, é inegável que deva haver uma interface entre o Direito e a Medicina para que, ao mesmo tempo, todos esses avanços tecnológicos (seja no campo da nanomedicina ou da medicina robótica) não venham a se tornar um entrave com equívocos médicos e tampouco mais um palco de intervenções jurídicas.

O crescimento exponencial com que conhecimentos tecnológicos são dispostos à sociedade, e cada vez mais têm beneficiado a classe médica, traz consigo muitos questionamentos e desconfianças em relação às consequências jurídicas que podem incorrer nas etapas de sua utilização.

Esses questionamentos e desconfianças se dão pela necessidade de estudos mais aprimorados e incisivos para utilização dessas inovações, assim também para uma eventual regulamentação legal, possibilitando dirimir previamente eventuais questões jurídicas que podem envolvem os procedimentos.

Tais questionamentos costumam circundar os temas sobre Inteligência Artificial (AI), principalmente na área Médica, para a qual vem sendo desenvolvida muitas vezes visando uma simulação do ser humano transmutado em uma máquina, de modo que esta reduza ruídos ou falhas que o profissional, enquanto ser humano, pode vir a cometer. Porém, deve se ter a clareza de que a própria tecnologia pode ser falha.

Portanto, há muitas questões éticas, morais, jurídicas e de segurança envolvidas no tema, e essa complexidade em identificar e definir pontos de responsabilidade nas etapas em que essas tecnologias são utilizadas, ainda terá muito campo para debate.

Plínio Higasi é Advogado especialista na área do Direito Digital, com amplo conhecimento em tecnologia e informática, sócio-fundador do HVA Advogados, com LLM em Direito e Tecnologia pela Escola Politécnica da USP, especializações pela FGV e PUC/SP, e atual mestrando em Inteligência Artificial aplicada ao Direito na Faculdade de Tecnologia da Inteligência e Design Digital – PUC/SP (Campus de Exatas). Fundador, e atual Presidente do Conselho do portal DigitalRights.cc. Membro efetivo da Comissão de Direito Digital da OAB/SP

Katia Wakita é advogada atuante no Direito Médico e da Saúde, possui histórico em renomadas bancas da advocacia desde 2010, com especialização em Direito Tributário, e membro efetivo da Comissão Especial de Direito Médico e da Saúde da OAB/SP.

Pais, vocês são responsáveis pelos atos de seus filhos na internet!

Por Guilherme Cunha Braguim, Luciana Ferreira Bortolozo e Renata Yumi Idie

 

O uso da internet por crianças e adolescentes cresce a cada ano, segundo pesquisa realizada pela Cetic.br com crianças e adolescentes com idade entre 09 e 17 anos. No ano de 2014, 21% dos entrevistados admitiram acessar a Internet mais de uma vez por dia[1], enquanto em 2016 esse percentual foi de 69%[2]. A mesma pesquisa verificou que a maior parte dos entrevistados realizaram o primeiro acesso com até 10 anos[3], sendo que 78% utilizam a internet para acesso a redes sociais[4], ambiente que permite uma ampla interação entre os usuários.

Em contrapartida com a vasta utilização da Internet por crianças e adolescentes, a pesquisa demonstrou que, em média, cerca de 50% dos pais ou responsáveis regulam de alguma maneira o uso da Internet pelos entrevistados[5]. Acontece que essa ferramenta nem sempre é utilizada para o bem e grande parte das escolas não oferece educação digital também aos pais, professores e, principalmente, aos  alunos.

Neste sentido, são inúmeros casos envolvendo o uso indiscriminado da internet por menores e que geram consequências graves ou permanentes. Atualmente estão em pauta os casos relacionados à cyberbullying (assédio virtual) e revenge porn (pornografia de vingança), bem como atos de discriminação e preconceito, atitudes graves que merecem atenção em razão dos reflexos psicossociais e que também podem trazer reflexos em âmbito jurídico.

Isto porque os atos praticados na Internet podem acarretar em responsabilização dos seus agentes em âmbito cível e criminal, a depender da conduta. No caso, por exemplo, da prática de cyberbullying, além dos reflexos cíveis (danos morais/patrimoniais), as ofensas podem caracterizar a prática de crimes contra a honra e até mesmo de ameaça, de modo que os perseguidores poderão ser responsabilizados.

Acontece que os menores de 18 (dezoito) anos são civil e penalmente inimputáveis, surgindo a responsabilidade dos pais, nos moldes do previsto no artigo 932, do Código Civil:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua  companhia;

O Superior Tribunal de Justiça, em julgamento do Recurso Especial nº 1.436.401, entendeu que o termo “autoridade” a que se refere o artigo citado do Código Civil explicita o poder familiar: “O art. 932, I do CC ao se referir a autoridade e companhia dos pais em relação aos filhos, quis explicitar o poder familiar (a autoridade parental não se esgota na guarda), compreendendo um plexo de deveres como, proteção, cuidado, educação, informação, afeto, dentre outros, independentemente da vigilância investigativa e diária, sendo irrelevante a proximidade física no momento em que os menores venham a causar danos.”

Dessa forma, os pais possuem o dever de cuidar, proteger e fornecer informação aos seus filhos, evitando assim que pratiquem infrações e crimes através da internet. Caso contrário, são responsáveis pela reparação civil de eventual dano causado pelo menor, vez em que cabe aos pais o dever de vigilância (culpa in vigilando).

Em âmbito criminal, por sua vez, as crianças, quando praticam ato que configure um crime ou contravenção penal, estarão sujeitas às medidas indicadas no artigo 101 do Estatuto da Criança e Adolescente, que prevê, entre outros, a requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, orientação, apoio e acompanhamentos temporários e até acolhimento institucional.

Quanto aos adolescentes, o artigo 112 do mesmo Estatuto prevê advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade, internação em estabelecimento educacional para atos infracionais, entre outros.

Assim, é de suma importância que as crianças e adolescentes sejam cientificados dos riscos associados ao uso da tecnologia para evitar que futuramente se encontrem na condição não só de vítima como também de ofensor, sendo essencial a sua orientação para que façam uma utilização consciente das ferramentas que estão ao seu alcance, cabendo esse papel não somente às escolas, como também aos pais e responsáveis.

Neste sentido, cabe destacar a iniciativa da Nethics (www.nethicsedu.com.br), empresa voltada à educação de crianças e adolescentes sobre o uso ético e seguro da Internet. A empresa indica que crianças menores de 7 anos sejam incentivadas à conviver mais com o mundo offline, e a eles seja transmitida a importância de brincar pessoalmente com os amigos, praticar esportes e não ficar muito tempo na frente da TV ou videogame. Para essa faixa etária, a navegação na internet tem que sempre ser acompanhada e direcionada pelo pai ou responsável.

A Nethics aponta que, entre 8 e 12 anos, as crianças tornam-se mais ansiosas para fazer parte de redes sociais. Nessa faixa etária é importante que os responsáveis não sejam omissos, nem tampouco incentivem as crianças a mentirem sua idade para serem aceitas nas redes sociais.

Iniciando sua vida nas referidas redes, é importante que as crianças sejam instruídas para não interagirem com estranhos e jamais compartilharem informações pessoais. Uma relação de confiança deve ser estabelecida entre pais e criança, para que a criança possa reportar casos estranhos que acontecem na navegação. O ideal é estipular regras rígidas sobre horários e limites.

A partir dos 13 anos as crianças e adolescentes podem, por exemplo, ter um cadastro “lícito” no Facebook. Esse momento é a hora de conversar sobre tudo, principalmente sobre o fato de que a internet não é “terra sem lei”, e que é possível ser responsabilizado pelos atos online. É importante que as crianças também tenham consciência de que suas atitudes podem trazer consequências jurídicas para os seus pais e a si mesmo, pois, na internet, tudo que é escrito está escrito para sempre, e não será esquecido.

É importante também conscientizar as crianças de que não é correto divulgar dados íntimos ou imagens comprometedoras, sejam de si mesmo ou de amigos e conhecidos.

A participação intensa dos pais na vida social dos filhos é essencial, pois permite que sejam detectados comportamentos diferentes dos usuais e as novas amizades dos filhos, as quais podem trazer influências negativas, caso em que devem ser imediatamente cortadas.

Em suma, é extremamente relevante que os pais se envolvam diretamente na educação cibernética de seus filhos, passando valores éticos e morais aos jovens e lhes transmitindo a noção de responsabilidade desde cedo. Ainda, as crianças devem conhecer os riscos de suas atitudes, e entender o valor de sua privacidade, de seus pais, de seus amigos e colegas.

Dessa forma, estimula-se uma convivência sadia e benéfica para todos os diretamente e indiretamente ligados às atitudes dos jovens, além deles próprios, o que se faz primordial para que as crianças cresçam de maneira sadia, positiva e longe de preocupações com suas atitudes, sejam online ou offline.

 

Guilherme Cunha Braguim é advogado especializado em Direito Digital e Segurança da Informação no escritório Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados, bacharel em direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especialista em Propriedade Industrial e Direito Autoral pela Escola Superior de Advocacia da OAB.

Luciana Ferreira Bortolozo é advogada no escritório Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados, graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pós graduada em Processo e Direito Civil pela Escola Paulista de Direito e especialista em Direito Digital e Propriedade Intelectual, com ênfase em Direitos Autorais pela WIPO e Universidade de Genebra.

Renata Yumi Idie é advogada associada no escritório Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados, especialista em Propriedade Intelectual pela Escola Superior da Advocacia da OAB/SP.

 

 

[1] http://cetic.br/tics/kidsonline/2014/criancas/A4/, acesso em 29.11.17.

[2] http://cetic.br/tics/kidsonline/2016/criancas/A4/, acesso em 29.11.17.

[3] http://cetic.br/tics/kidsonline/2016/criancas/A3/, acesso em 29.11.17.

[4] http://cetic.br/tics/kidsonline/2016/criancas/B1/, acesso em 29.11.17.

[5] http://cetic.br/tics/kidsonline/2016/criancas/E3/, acesso em 29.11.17.

 

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O fornecimento de Registros Eletrônicos dos Usuários e a Responsabilidade Civil do Provedor

Por Leonardo Sampaio Pangardi

 

Ao pensar em responsabilização civil, de maneira quase que automática vem à cabeça a reparação de um dano.

Referida reflexão vai de encontro ao entendimento consolidado pelo ordenamento jurídico brasileiro, bastando observar as disposições relacionadas ao tema trazidas pelo Código Civil de 2002.

Partindo desta premissa, o presente artigo busca, de forma sucinta, explicar o conceito de provedor de aplicação e as hipóteses em que o provedor de aplicação deverá ser responsabilizado civilmente pelo inadequado armazenamento de registros eletrônicos.

Para que seja possível adentrar a questão de responsabilização civil dos provedores de internet, se faz necessária a fixação do conceito de provedor de aplicação, apresentando alguns de seus aspectos técnicos.

De acordo com os ensinamentos de Marcel Leonardi[1], a regulação da Internet é simplificada, reduzindo os modelos de redes OSI e TCP/IP em três camadas, para fins regulatórios.

O Protocolo TCP/IP (Transmission Control Protocol/Internet Protocol) nada mais é do que um tipo de linguagem elaborada para possibilitar a comunicação entre diferentes computadores ligados à internet, importante ressaltar que não se trata de apenas um protocolo, mas de um conjunto de protocolos.

Entende-se como TCP/IP um conjunto de protocolos divididos em quatro camadas autônomas, quais sejam:

  1. Camada de Aplicação: onde há o recebimento de informações;
  2. Camada de Transporte: responsável pela verificação de integridade dos dados enviados pelo grupo anterior e pela sua fragmentação em pacotes;
  • Camada de Rede: responsável por anexar os dados ao IP dos computadores remetente e destinatário, para que todos os pacotes trafeguem na internet com local de partida e destino certos e não se percam na rede;
  1. Camada de Interface: incumbida de enviar os pacotes na rede.

Para que fique mais claro, durante o envio de um documento A, da máquina Y para a máquina Z, ficará a cargo do Protocolo TCP/IP a transmissão, deste modo: inicialmente, a Camada de Aplicação receberá o documento que se pretende enviar e passará à Camada de Transporte, onde será verificada sua integridade e será “quebrado” em N pedaços. A Camada de Rede, então, ficará responsável por anexar a cada um desses pedaços os endereços IP dos computadores remetente e destinatário, para que todos eles saibam o destino de ida e volta. Por fim, a Camada de Interface se encarregará do envio de cada pedaço na rede, para que percorram seu caminho até o dispositivo destinatário.

Em síntese, pode ser dito que a camada de aplicação é aquela em que são utilizados protocolos para o fornecimento de serviços diretos aos usuários.

Utilizando referidos conceitos técnicos como base, Marcel Leonardi[2] evidencia a necessidade de regulação da Internet baseada nas camadas sobre as quais são construídos os sistemas de comunicação: física, lógica e de conteúdo:

“A Internet e igualmente estruturada por essas três camadas a camada física e composta pelos equipamentos informáticos a ela integrados e pelos meios físicos que os interconectam; a camada logica, ou camada de “código”, são as inúmeras linguagens que tornam possível a transmissão de dados entre os equipamentos informáticos, tais como sistemas operacionais, programas de computador, protocolos e linguagens de programação compartilhadas entre eles; e a camada de conteúdo corresponde aos dados transmitidos por meio das camadas física e logica, ou seja, as informações, textos, musicas, fotografias, filmes e demais manifestações do pensamento humano”.

No mesmo sentido, o entendimento do Professor Ronaldo Lemos[3]:

“A estrutura física da internet é constituída pelo conjunto de computadores que a compõem e pelos meios físicos que os interconectam, como fibras óticas, linhas telefônicas, ondas de rádio etc.

A estrutura lógica da internet ou o seu “código” são as inúmeras linguagens que fazem com que as partes físicas possam comunicar-se entre si. Nesta camada, estão incluídos não só os programas de computador, como também protocolos e linguagens compartilhadas entre eles (como o protocolo TCP/IP, base da internet). Aqui se incluem também os sistemas operacionais, como o sistema Microsoft Windows ou o Linux.

A estrutura de conteúdo corresponde a tudo aquilo que é transmitido sobre as camadas física e lógica, como um texto, um e-mail, uma música, um filme, uma mensagem, uma fotografia etc”

Com base nestes conceitos técnicos clássicos foi possível conceituar tipos de provedores, de acordo com sua função, sendo hoje em dia definidos da seguinte maneira, com base nos ensinamento de Marcel Leonardi[4]:

“Provedor de serviços de Internet é o gênero do qual as demais categorias (provedor de backbone, provedor de acesso, provedor de correio eletrônico, provedor de hospedagem e provedor de conteúdo) são espécies. Como visto, o provedor de backbone, ou infraestrutura, é a pessoa jurídica que efetivamente detém as estruturas de rede capazes de manipular grandes volumes de informações, constituídas, basicamente, por roteadores de tráfego interligados por circuitos de alta velocidade.

O provedor de acesso é a pessoa jurídica fornecedora de serviços que consistem em possibilitar o acesso de seus consumidores à Internet.

O provedor de correio eletrônico é a pessoa jurídica fornecedora de serviços que consistem em possibilitar o envio de mensagens do usuário a seus destinatários, armazenar as mensagens enviadas a seu endereço eletrônico até o limite de espaço disponibilizado no disco rígido de acesso remoto e permitir somente ao contratante do serviço o acesso ao sistema e às mensagens, mediante o uso de um nome de usuário e senha exclusivos.

O provedor de hospedagem é a pessoa jurídica fornecedora de serviços que consistem em possibilitar o armazenamento de dados em servidores próprios de acesso remoto, permitindo o acesso de terceiros a esses dados, de acordo com as condições estabelecidas com o contratante do serviço.

O provedor de conteúdo é toda pessoa natural ou jurídica que disponibiliza na Internet as informações criadas ou desenvolvidas por si própria ou por terceiros.”

Referidos conceitos foram utilizados pelo Superior Tribunal de Justiça, em decisão paradigmática, alterando o sistema de responsabilização civil de intermediários de serviços relacionados a Internet no Brasil, considerando que anteriormente doutrina e jurisprudência utilizavam classificação diversa, partindo da premissa de que provedor de serviço de internet seria gênero englobando espécies, tais como provedor de backbone, de acesso, de hospedagem, de informação e de conteúdo.

“Os provedores de serviços de Internet são aqueles que fornecem serviços ligados ao funcionamento dessa rede mundial de computadores, ou por meio dela. Trata­se de gênero do qual são espécies as demais categorias, como: (i) provedores de backbone (espinha dorsal), que detêm estrutura de rede capaz de processar grandes volumes de informação. São os responsáveis pela conectividade da Internet, oferecendo sua infraestrutura a terceiros, que repassam aos usuários finais acesso à rede; (ii) provedores de acesso, que adquirem a infraestrutura dos provedores backbone e revendem aos usuários finais, possibilitando a estes conexão com a Internet; (iii) provedores de hospedagem, que armazenam dados de terceiros, conferindo­lhes acesso remoto; (iv) provedores de informação, que produzem as informações divulgadas na Internet; e (v) provedores de conteúdo, que disponibilizam na rede os dados criados ou desenvolvidos pelos provedores de informação ou pelos próprios usuários da web” (STJ, Terceira Turma, REsp. nº 1.308.830, j.: 19/06/2012; STJ, Terceira Turma, REsp nº 1.316.921, j.: 26/06/2012).

Com o advento do Marco Civil da Internet, Lei nº. 12.965, em vigência desde agosto de 2014, foram estabelecidos princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil, determinando ainda as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria[5].

Ademais, referida legislação pioneira, definiu diversos conceitos técnicos relevantes, ressaltando que para este estudo o mais relevante é o de “aplicação de internet”, disposto como o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à Internet[6]. Utilizando como base este conceito, todas as empresas que se enquadrem em referida disposição legal passaram a ter responsabilidades atribuídas por lei.

Dentre elas, foi expressamente atribuída a reponsabilidade civil dos provedores de aplicações de internet em hipóteses específicas, nas quais atos dos usuários das aplicações geram danos a terceiros, sendo o provedor das aplicações civilmente responsável caso (i) descumpra ordem judicial que determinou a remoção de determinado conteúdo; (ii) não atenda à notificação extrajudicial que requereu a indisponibilização de conteúdo privado, contendo nudez ou cenas de atos sexuais, cuja publicação não fora autorizada; e (iii) desrespeite direitos autorais.

Apesar de algumas críticas baseadas na “judicialização” do procedimento – por haver certa aplicação jurisprudencial em relação ao poder compulsório das notificações extrajudiciais – as determinações legais parecem acertadas.

Isto porque cuidam de limitar ao Poder Judiciário a análise do conteúdo que realmente deve ser reprimido em razão de sua ilicitude. Ao mesmo tempo que criam duas exceções, de maneira novamente acertada (quase que lógicas à luz do bom senso): desrespeito aos direitos autorais e divulgação não autorizada de conteúdo de nudez e sexo de caráter privado, contestada pelo próprio divulgador ou participante do conteúdo.

Nesse ponto, são pertinentes a determinações trazidas pelo Marco Civil da Internet visto que, imaginando um cenário onde a mera notificação extrajudicial pudesse gerar a obrigação de supressão de conteúdo para o provedor de aplicações de internet, então este seria responsabilizado civilmente pelos danos causados em eventual descumprimento à notificação. O que, em suma, resultaria em uma verdadeira imposição de valores subjetivos de cada usuário sobre os conteúdos disponibilizados.

A exemplo de elucidações feitas pelos professores Carlos Affonso Souza e Chiara Spadaccini de Teffé:[7]

“Com receio de ser processado e condenado por conteúdos dos seus usuários caso não os removesse após uma simples notificação particular, os provedores naturalmente eliminariam tudo aquilo que fosse objeto de notificação. É fácil perceber como esse regime de responsabilização, evitado pelo Marco Civil, poderia ser abusado. Avaliações negativas de hotéis, restaurantes e empresas das mais diversas não resistiriam por muito tempo. Bastaria à empresa atingida notificar os provedores alegando que aquele comentário lhe causa algum dano”.

Para além das hipóteses trazidas acima, a Lei nº 12.965/2014 atribui aos provedores de aplicações de internet o dever básico de guardar os registros eletrônicos (IP, data e hora[8]) de acesso às aplicações, em sigilo, em ambiente controlado, e de segurança, pelo período mínimo de 06 (seis) meses, nos termos do art. 15[9], no caso de tratar-se de autoridade policial ou administrativa e o Ministério Público requisitando os registros o prazo poderá ser superior[10] ao estabelecido no caput.

Ainda que não determinada expressamente a responsabilidade civil pelo descumprimento da obrigação de armazenamento dos registros, a interpretação da lei diante de outros dispositivos do ordenamento jurídico brasileiro, das aplicações práticas e dos fatos específicos de cada caso concreto, há que se concluir pela possibilidade de responsabilização civil do provedor que não observa este dever.

A importância dada à guarda destes dados é inerente à necessidade dos mesmos para identificação dos usuários da Internet, de modo que sem referidos dados não é possível identificar o autor de um crime cibernético, por exemplo.

Diante disto, foram impostos critérios para a entrega dos registros a terceiros, determinando a necessidade de prévia autorização judicial[11], com vistas ao direito de privacidade dos usuários em relação aos dados pessoais e teor do conteúdo dos registros.

Significa dizer que toda e qualquer pessoa jurídica mantenedora de site ou aplicativo na Internet acessíveis a usuários da rede, com finalidade econômica, mesmo que visando lucro indireto, tem o dever de guardar o endereço IP, data e horário dos acessos dos usuários à aplicação, estando obrigada a fornecê-los mediante ordem judicial.

Ocorre que nem sempre os provedores de aplicação dispõem de condições de armazenar e informar os registros eletrônicos de seus usuários, de modo que a omissão no fornecimento dos dados, ao corroborar com a perpetuação de um ilícito, configura a responsabilização civil do provedor, vez que se enquadra nas condutas previstas pelos artigos 186 e 927 do Código Civil.

É este o entendimento consolidado pela jurisprudência:

CIVIL E CONSUMIDOR. INTERNET. PROVEDOR DE CONTEÚDO. USUÁRIOS. IDENTIFICAÇÃO. DEVER. GUARDA DOS DADOS. OBRIGAÇÃO. PRAZO. DISPOSITIVOS LEGAIS ANALISADOS: ARTS. 4º, III, DO CDC; 206, § 3º, V, 248, 422 e 1.194 DO CC/02; E 14 E 461, § 1º DO CPC. 1. Ação ajuizada em 30.07.2009. Recurso especial concluso ao gabinete da Relatora em 04.11.2013. 2. Recurso especial que discute os limites da responsabilidade dos provedores de hospedagem de blogs pela manutenção de dados de seus usuários. 3. Ao oferecer um serviço por meio do qual se possibilita que os usuários divulguem livremente suas opiniões, deve o provedor de conteúdo ter o cuidado de propiciar meios para que se possa identificar cada um desses usuários, coibindo o anonimato e atribuindo a cada imagem uma autoria certa e determinada. Sob a ótica da diligência média que se espera do provedor, do dever de informação e do princípio da transparência, deve este adotar as providências que, conforme as circunstâncias específicas de cada caso, estiverem ao seu alcance para a individualização dos usuários do site, sob pena de responsabilização subjetiva por culpa in omittendo. Precedentes. 4. Uma vez ciente do ajuizamento da ação e da pretensão nela contida – de obtenção dos dados de um determinado usuário – estando a questão sub judice, o mínimo de bom senso e prudência sugerem a iniciativa do provedor de conteúdo no sentido de evitar que essas informações se percam. Essa providência é condizente com a boa-fé que se espera não apenas dos fornecedores e contratantes em geral, mas também da parte de um processo judicial, nos termos dos arts. 4º, III, do CDC, 422 do CC/02 e 14 do CPC. 5. As informações necessárias à identificação do usuário devem ser armazenadas pelo provedor de conteúdo por um prazo mínimo de 03 anos, a contar do dia em que o usuário cancela o serviço. 6. Recurso especial a que se nega provimento. (Recurso Especial Nº 1.417.641, Relator: Ministra Nancy Andrighi, Data de Julgamento: 25.02.2014, Terceira Turma).

Aliás, muito além do descumprimento do dever legal, a omissão dos registros de acesso dos usuários pelos provedores de aplicações de internet fere a garantia constitucional de vedação ao anonimato[12].

Explica-se: cometido ato ilícito por usuário de aplicação de internet, é necessária sua identificação para que repare os danos causados. Referida identificação na maioria das vezes só será possível mediante o fornecimento dos registros eletrônicos pelo provedor da aplicação de internet e posteriormente o cruzamento destas informações com as dos provedores de conexão. Por este motivo é que a lei lhes imputa o dever de guarda dos registros de conexão.

Ainda, pelo mesmo motivo é que deve ser civilmente responsabilizado o provedor que não os guardou, visto que a omissão do provedor na guarda e fornecimento dos registros eletrônicos perpetua o anonimato daquele que cometeu a ilicitude.

Neste momento cabe trazer à tona novamente os ensinamentos de Marcel Leonardi[13]:

“Devem os provedores de serviços utilizar meios tecnológicos e equipamentos informáticos que possibilitem a identificação dos dados de conexão dos usuários, para que tais informações sejam disponibilizadas a quem de direito em caso de ato ilícito, pois nem sempre os dados cadastrais contendo os nomes, endereços e demais dados pessoais dos usuários estarão corretos ou atualizados.

Se os provedores de serviço não preservarem os dados técnicos de conexões e acessos e os dados cadastrais dos usuários, inviabilizando, inclusive por outros meios, a identificação ou localização dos responsáveis por atos ilícitos, sujeitam-se a responder solidariamente pelo ato ilícito cometido por terceiro que não puder ser identificado ou localizado em razão desta conduta omissiva.”

Isto é, se os provedores não estão aptos a fornecer os registros dos acessos dos usuários às aplicações e com isso interferem na efetivação da vedação ao anonimato prevista constitucionalmente, impossibilitando a reparação de danos causados a terceiros, então auxiliam na perpetuação de atos ilicitos em que não haverá responsabilização. É evidente que não se pode perpetuar a impunidade.

Considerando o crescente descumprimento do dever de fornecimento dos registros eletrônicos – e a consequente dificuldade na responsabilização dos usuários pelos danos decorrentes dos atos ilícitos praticados – deu-se início a reflexão: se aquele que deve fornecer as informações necessárias para identificação dos usuários, neste caso o provedor de aplicação, deixou de cumprir sua obrigação de guardar ou fornecer os dados, não poderia este ser responsabilizado pelo dano?

Diversas discussões jurídicas sobre o tema se deram, de modo que a conclusão que se chegou foi à possibilidade de conversão das ações que requeriam a apresentação dos registros para identificação do usuário que cometeu a ilicitude, em ações de perdas e danos, ou seja, juridicamente a conclusão que se chegou foi de que é possível responsabilizar os provedores de aplicação pelos danos causados por seus usuários, desde que descumpram seu dever legal de guardar e fornencer os registros de acesso necessários para identificação dos usuários.

Neste sentido, é o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, pela possibilidade de conversão de ações requerendo os registros de acesso em perdas e danos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – Tutela antecipada – Ação de obrigação de fazer – Mensagens ameaçadoras enviadas via e-mail – Decisão que deferiu a liminar para que a Microsoft Informática Ltda. forneça dados cadastrais de usuário do IP objeto da lide – Possibilidade de a agravante responder pela sua sócia majoritária, por ser representante legal da Microsoft Corporation no Brasil – Inocorrência de violação à proteção constitucional ao sigilo de comunicações – Requisitos para concessão da medida que se encontram presentes – Decisão mantida – Recurso desprovido.

(TJSP Agravo de Instrumento nº. 0151685-74.2011.8.26.0000. Relator Des. Maurício Ferreira Leite. 21ª Câmara de Direito Privado. Julgado em 10.08.2011)

AGRAVO DE INSTRUMENTO Ação de obrigação de fazer – Decisão que manteve a antecipação de tutela que determinava a apresentação dos dados requeridos pelos autores – Pretensão de obter dados cadastrais de usuário da internet que não afronta proteção ao sigilo das comunicações – Mensagens ameaçadoras que justificam a pretensão de obtenção de dados, visando a identificação dos responsáveis – Agravo desprovido.

(TJSP Agravo de Instrumento nº. 0137775-77.2011.8.26.0000. Relatora Des. Viviani Nicolau. 9ª Câmara de Direito Privado. Julgado em 13.03.2012)

AÇÃO COMINATÓRIA. Obrigação imposta a Telemar Norte Leste S/A, para que forneça os dados cadastrais de usuários responsáveis pelos comentários de cunho ofensivo à pessoa da autora. Ré que detém capacidade técnica para tanto. Divulgação dos dados dos usuários que não caracteriza quebra de sigilo das comunicações, porquanto o conteúdo ofensivo já estava disponível da rede. Jurisprudência do STJ. Fixação de astreintes pela resistência de cumprimento, o que denota a manutenção da sucumbência, pelo princípio da causalidade. Conversão da obrigação em perdas e danos em caso de não cumprimento. Recurso da autora provido em parte e da ré desprovido.

(TJSP Apelação nº. 0254708-66.2007.8.26.0100. Relator Des. Teixeira Leite. 4ª Câmara de Direito Privado. Julgado em 18.04.2013)

Deste modo, é possível concluir que o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entendeu que o recorrente descumprimento – por parte dos provedores de aplicações – do dever legal de guarda dos registros eletrônicos estava impedindo a reparação de danos causados por atos ilícitos praticados por maus usuários destas aplicaçãoes. Houve então solução prática da questão, autorizando a conversão das ações e determinando a responsabilização dos provedores.

Dizendo de outra maneira, antes da aplicação deste entendimento, aquele que sofria o dano se via sem possibilidades de reparação, vez que não conseguia identificar o usuário responsável, ausentes os registros eletrônicos que possibilitariam esta identificação. Sendo assim, se o provedor de aplicação que seria responsável pelas informações que podem auxiliar na identificação do responsável pelo dano não forneceu estas informações, este é quem responde pelo dano causado por seu usário.

Significa dizer que, atualmente, a responsabilidade civil dos provedores de aplicação pelos atos de seus usuários é possível nos casos em que ocorrem: (a) falha no dever de guardar os registros eletrônicos pelo período de 6 (seis) meses determinado em lei; ou (b) o não fornecimento dos registros em prejuízo de ordem judicial determinando que sejam fornecidos.

Considerando as determinações do Marco Civil da Internet e o entendimento jurisprudencial majoritário, em contraponto a ideia de impunidade relacionada aos atos praticados pela internet, considerada senso comum nos dias de hoje, os atos praticados no mundo digital deixarão registros, produzindo consequências, cabendo à lei e à jurisprudência dispor sobre as possibilidades de acesso a estes registros para eventual identificação dos usuários.

Somente mediante o acesso destas informações é possível a responsabilização pessoal do usuário, ou ainda, na ausência das informações, a responsabilização dos provedores de aplicação nos casos de desídia no cumprimento seus deveres legais de guarda e fornecimento dos registros.

[1] LEONARDI, Marcel. Tutela e privacidade na internet. 2012, São Paulo: Saraiva, p. 183

[2] LEONARDI, Marcel. Tutela e privacidade na internet. 2012, São Paulo: Saraiva, p. 183

[3] LEMOS, Ronaldo. Direito, tecnologia e cultura, Rio de Janeiro: FGV, 2005, p. 16

[4] LEONARDI, Marcel. Responsabilidade civil dos provedores de serviços de internet. Editora Juarez de Oliveira, 2005, p. 136.

[5] Art. 1o Esta Lei estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e determina as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria.

[6] Art. 5o. VII – aplicações de internet: o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet; e

[7] SOUZA, C.A.; TEFFÉ, C. S. Responsabilidade dos provedores por conteúdos de terceiros na internet, 2017. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2017-jan-23/responsabilidade-provedor-conteudo-terceiro-internet> Acesso em 31.out.2017.

[8] Art. 5o Para os efeitos desta Lei, considera-se: (…) VIII – registros de acesso a aplicações de internet: o conjunto de informações referentes à data e hora de uso de uma determinada aplicação de internet a partir de um determinado endereço IP.

[9] Art. 15.  O provedor de aplicações de internet constituído na forma de pessoa jurídica e que exerça essa atividade de forma organizada, profissionalmente e com fins econômicos deverá manter os respectivos registros de acesso a aplicações de internet, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 6 (seis) meses, nos termos do regulamento.

[10] § 2o A autoridade policial ou administrativa ou o Ministério Público poderão requerer cautelarmente a qualquer provedor de aplicações de internet que os registros de acesso a aplicações de internet sejam guardados, inclusive por prazo superior ao previsto no caput, observado o disposto nos §§ 3o e 4o do art. 13.

[11] § 3o Em qualquer hipótese, a disponibilização ao requerente dos registros de que trata este artigo deverá ser precedida de autorização judicial, conforme disposto na Seção IV deste Capítulo.

[12] Art. 5º, IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.

[13] LEONARDI, Marcel. Responsabilidade civil dos provedores de serviços de internet. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005, p. 228.

Direito com Tecnologia

Por Bernardo Meyer

Breves comentários sobre o novo papel do Advogado, das Sociedades e dos Órgãos de Classe.

Há cerca de uma década estávamos preocupados com a redução considerável de advogados autônomos e o crescimento desenfreado das grandes bancas jurídicas – nacionais e multinacionais – e a sua influência em nosso mercado, alguns profetizaram que infelizmente veríamos a figura do advogado independente e das pequenas e médias firmas acuadas para fora do mercado jurídico.

Como grande parte das premonições arrojadas destes últimos dez anos, não foi bem isso o que aconteceu, pelo contrário, atualmente nos deparamos com um cenário bem diferente, já que alcançamos 1kk de advogados inscritos na OAB.

Embora persista de uma forma geral o crescimento das grandes bancas, seja por aumento, seja por consolidação daquelas que estão no topo do mercado, ocorre que, no outro extremo já enxergamos tendências distintas se manifestando, sendo que grande parte delas são alimentadas pelas facilidades de composição societária, redução de custos e extraterritorialidade da Internet.

Nesse período, vimos com todas as cores e consequências comerciais o potencial da Internet crescer a uma razão exorbitante. Estamos diante de uma redução significativa em time to Market, no caso, a título ilustrativo, tendo como base a “métrica dos 50 milhões”, quando o Facebook foi lançado em 2004, levou 1300 dias para atingir 50 milhões de usuários, já o Angry Birds levou 34 dias para alcançar a marca em 2015, tendo sido posteriormente superado pelo Pokemon Go no ano de 2016, que arrebatou a marca em apenas 19 dias[1]!

Para a carreira jurídica que geralmente caminha atrás das demais indústrias na assimilação de novas tecnologias, o atual crescimento de sociedades jurídicas virtuais à distância e advogados freelancers já se mostra significativa. Um indicativo dessa tendência pode ser observado na alteração ocorrida no Estatuto da Advocacia, em decorrência da Lei nº 13.247/2016 e consequente provimento do Conselho Federal da OAB nº 170/16, medidas que instituíram, regulamentaram e, por fim, viabilizaram a sociedade advocatícia unipessoal.

Outrora, além das soluções de gerenciamento e controle de processos (que à época das previsões eram o beacon de tecnologia aplicada ao mundo jurídico), o uso da Internet e suas ferramentas voltadas ao mercado jurídico se limitava a brochuras digitais, ou seja, compartilhamento de arquivos (o famoso armazenamento na nuvem e todas as suas implicações em compliance), editores de texto e atualização de andamento de processos pela Internet.

Atualmente, com a consolidação do processo eletrônico e as mudanças mencionadas, acompanhadas de soluções para contratação de advogados correspondentes (o App Diligeiro é um belo exemplo dessa realidade no mercado brasileiro) e, soluções para mediação e conciliação, fica evidente a ruptura no modelo de negócio jurídico até então existente.

Arriscamos dizer que já existem iniciativas para desenvolver o “Uber para advogados”, em mercados onde a regulamentação não se oponha, bastando abrir o aplicativo, inserir algumas informações na plataforma para se conectar diretamente com um advogado, este informado previamente da necessidade do usuário e preparado para oferecer um parecer e/ou conduzir a demanda (recursos de Inteligência Artificial já podem classificar as demandas e indicar as medidas cabíveis, calculando a razão entre o custo/resultado) .

Essas e outras mudanças se verificam na forma como as sociedades se reestruturaram ou passaram a se formar no modus operandi e até na forma de cobrança pelos serviços jurídicos prestados.

Estamos vendo jovens advogados começando suas próprias sociedades “virtuais” no mesmo ano que são aprovados na OAB, bem como outros advogados preferindo deixar o modelo rígido de longas horas das sociedades tradicionais para abrir e tocar seus próprios escritórios virtuais, onde percebem a existência de um horário flexível e a desnecessidade de deslocamento diário como umas das muitas vantagens existentes e ainda é possível verificar bancas tradicionais tendo que buscar alternativas para os antigos modelos de cobrança baseados em billable hours em favor de modelos mais isonômicos e eficientes.

Importante observar a substituição do Advogado pela Máquina, e também considerar que o crescimento de escritórios virtuais e políticas de home office podem acarretar na redução da interação e troca entre advogados e profissionais das demais áreas, que geralmente ocorriam nos corredores do escritório, sendo fatores essenciais para o desenvolvimento de qualidades e experiências, imprescindíveis para formação de um profissional completo e versátil.

Fica aqui a dúvida se o próximo passo da Ordem dos Advogados do Brasil (e demais associações de classe vinculadas as carreiras jurídicas) será ponderar o seu papel neste novo cenário jurídico/legal, buscando acompanhar estas mudanças e redirecionar seus recursos para melhor informar e apoiar seus membros/associados no formato mais adequado com a realidade citada.

Em um futuro próximo, talvez possamos nos deparar com a transição das salas da OAB espalhadas pelos fóruns do Brasil, passando a figurar como espaço de co-working, capazes de continuar a prover as utilidades de um escritório tradicional, como espaço para revisão, impressão e organização, atendendo, assim, aos advogados em trânsito (como ocorre desde que foram instituídas), mas também para viabilizar as novas necessidades desses advogados e de seus escritórios sem fronteiras, garantindo a estes a oportunidade de interação pessoal/profissional e aprendizado mútuo.

As possibilidades são infinitas. Se adicionarmos a isso uma dose de soluções jurídicas dotadas de Inteligência Artificial, capazes de seguir uma sequência de argumentos lógicos e oferecer um rumo no limbo jurídico (elementar meu caro Watson[2]), qualquer tentativa de fazer uma previsão aqui está fadada a ter a mesma sorte das previsões anteriores, sendo apontada lá na frente como um mero palpite deste subscritor.

Mas como amplamente alardeado, estamos diante de um cenário de inovação e possibilidades (seja lá o que façamos, temos que fazer melhor, de forma mais eficiente e consciente), vamos levar um tempo ainda para sabermos ao certo para onde vamos e como vamos, só tenho comigo que nesse percurso quem vai fazer a diferença é quem enxergar que não é hora para ego e covardia, mas sim de planejamento ousado e esperançoso, sem medo de quebrar o status quo.

Siga nossas postagens do DigitalRights, contribua com a discussão e aguardem novas publicações aprofundando o tema!

 

Bernardo Meyer (bernardomeyer@digitalrights.cc)

Advogado especializado em Direito e Tecnologia, membro da comissão de Ciência e Tecnologia da OAB/SP, possui vasta experiência em rotinas empresariais da área de TI, atua na área consultiva de Direito Empresarial, Direito Eletrônico, e Licitações e Contratos de Tecnologia.

 

 

[1] http://blogs.wsj.com/economics/2015/03/13/it-took-the-telephone-75-years-to-do-what-angry-birds-did-in-35-days-but-what-does-that-mean/

[2] https://www.ibm.com/blogs/watson/2016/01/ross-and-watson-tackle-the-law/

Bem-vindos a seção de Direito e TI

Bem vindos à seção de Direito e Tecnologia da Informação!

Neste espaço serão debatidos os temas relacionados à parte geral da tecnologia que permeia o Direito brasileiro.

Desde 1995 quando o primeiro site foi registrado no Brasil, começaram a surgir demandas na área de Tecnologia da Informação, ou mais, propriamente como ficaram conhecidas, nas áreas de Direito Digital ou Direito Eletrônico.

Assim, em consonância com o crescimento e a expansão da Internet no Brasil, cresceu o Direito Digital. Hoje o Direito e Tecnologia da Informação por mais que pareça ser extremamente específico está relacionado a tudo que lidamos no dia a dia, desde um acesso em intranet, até um comentário ofensivo em rede social.

No mundo globalizado tudo está conectado, e por isso os reflexos frequentemente atingem as esferas pessoal e profissional.