Desafios da Moda Phygital e as quatro estações de 2020

Após um ano de distanciamento social, começamos a finalmente entender como os novos usos da tecnologia serão incorporados no mundo da moda, nos seus desfiles, na produção das roupas e acessórios e nas novas estratégias de acesso ao consumidor, marketing, venda e logística. Não só para a moda, o ano de 2020 foi um divisor de águas e um acelerador nos quesitos: experimentação, adaptação, desenvolvimento e implementação das mais variadas soluções digitais, que mostraram às marcas o poder e as vantagens da democratização e aos consumidores a satisfação de enfim fazer parte do processo de criação dos produtos que eles tanto desejam.

Como dizemos por aí, 2020 foi o ano em que vivemos de uma forma bem definida todas as quatro estações, só que em uma ordem aleatória.

Se bem nos lembramos, começamos o ano que passou testemunhando o início de uma pandemia que, num isolamento radical, aprisionou pessoas, fechou fábricas, fechou lojas, fechou carteiras, manteve aviões em solo e os nossos pensamentos no ar. Vivenciamos um fenômeno que nos forçou experimentar o acesso remoto e o uso das salas virtuais e que nos fez ouvir, possivelmente pela primeira vez, um zoom-nido que ainda ecoa no nosso dia a dia, sem hora para acabar. O licenciamento de software, a aquisição de novos hardwares e gadgets e a instalação, no aconchego dos nossos lares, de uma infraestrutura digital (conectividade, internet e wi-fi) marcaram o INVERNO (para nós de 40 graus) de 2020. Ato contínuo, intensificamos o uso das redes sociais e das plataformas digitais para nos manter em comunicação com o mundo e em contato com colegas de trabalho, familiares e amigos. Passamos a consumir somente através de canais virtuais e obrigamos as marcas a provocarem uma repentina transformação nas cadeias de produção e de fornecimento. Empreendedores formaram parcerias com gigantes do e-commerce e

infraestruturas de armazenagem e distribuição de mercadorias passaram a ser compartilhadas. Iniciativas (ainda tímidas) de investimentos estimularam o amadurecimento de uma nova forma de produção: as impressões 3D.O marketing de influência se intensificou. O fenômeno da omniera ou omnichanel (disponibilização de todos os tipos de canais de venda e posicionamento do consumidor no centro do processo) deixou de ser um termo sofisticado e foi introduzido, em caráter de urgência, nas pautas de reuniões de negócios e, também, no jargão popular. E, na moda, soluções online (desfiles virtuais ou streaming de filmagens) foram implementadas para aproximar consumidores das coleções daquele OUTONO.

O fim da primeira onda da pandemia trouxe um desejo incontrolável de reencontrarmos o controle da situação. Sob ânimos esquentados, expurgamos o isolamento e nos aglomeramos. Desejamos voltar ao físico e ao 100% presencial, mas o vírus nos avisou que o nosso VERÃO ainda seria sem sol e sem fotossíntese e que, infelizmente, teríamos que nos manter afastados, por mais um punhado de indefinidos meses, para consolidarmos alguns conceitos ainda não inteiramente assimilados, dentre eles: a compatibilização do normal com o novo normal. 

De uma escapada física retornamos às soluções digitais. Londres, Paris, Milão e Shangai substituíram as passarelas por semanas de moda virtuais com apresentações, via streaming, de desfiles filmados ou vídeos do making of das criações; chats de interação com os estilistas e plataformas online para a aquisição das roupas recém-desfiladas. Shudu[1], Dagny, Margot, Zhi e Mara, top models corporificadas em avatares digitais, voltaram ou debutaram nas passarelas, enquanto outras (Miquela, Bermuda e Noonoouri[2]) ocuparam rankings no rol de influenciadoras do mundo da moda.[3]

Inovações mais marcantes ficaram por conta da marca Hanifa, da congolesa Anifa Mvuemba, que em maio de 2020 inaugurou a onda dos desfiles 3D, em uma live no Instagram, onde ela apresentou a sua coleção com ‘roupas digitais em movimento’[4].

O fim do VERÃO começou com o surgimento de tratamentos mais eficazes no combate à COVID-19 e com as notícias de vacinas que nos possibilitariam um início da compatibilização do antes com o depois. E, assim, em meio a uma PRIMAVERA fora de hora, buscamos esperançosamente por um clima mais ameno. Na moda, as marcas encontraram o seu lugar entre o céu e a terra. Enquanto Fendi[5], Dolce & Gabbana, Versace e Salvatore Ferragamo optaram por desfiles presenciais, Prada[6], Chanel[7], Valentino, Dior, Missoni, Giorgio Armani e Moschino implementaram soluções integralmente digitais para a apresentação das suas coleções e tendências para 2021.

Outras marcas, optaram pela mistura do online com o offline. Em julho de 2020, a grife de Pierre Balmain comemorou os seus 75 anos de aniversário, produzindo um evento filmado sobre as águas do rio Sena, em Paris. Sob a direção de Olivier Rousteing, o evento denominado ‘Balmain Sur Seine[8] foi assistido por pessoas às margens deste rio, transmitido ao vivo pelo aplicativo Tik Tok e contou com 21 modelos que desfilaram peças assinadas por alguns dos diretores criativos que fizeram história na marca, incluindo o próprio Pierre Balmain e Oscar de la Renta.

Como vemos, o equilíbrio entre o antes e o depois, trazido por uma PRIMAVERA adaptada, mostra-nos que a tendência para as próximas coleções nos reserva uma cada vez maior mistura do físico com o virtual, a chamada experiência PHYGITAL, que, para além do desfile (ao vivo e via streaming) de roupas (costuradas e virtuais) por modelos e super modelos (humanas e digitais), ainda permitirá a introdução de outras tecnologias (já em desenvolvimento) para aumentar a interação entre os mundos reais e algorítmicos. A título exemplificativo, podemos citar a evolução do Dior Eyes[9], um gadget (headphone 3D) que proporciona ao seu usuário a possibilidade de uma completa imersão no mundo da realidade virtual, onde convidados podem, simultaneamente aos desfiles presenciais, assistirem vídeos 3D com cenas, por exemplo, dos bastidoresdos desfiles da marca para uma rápida espiada no processo de criação das suas coleções. A aplicação prática deste tipo de inovação no mundo da moda não tem limites.

Outro exemplo é a tecnologia do Virtual and Augmented Reality (realidade virtual e realidade aumentada), que promete viabilizar a fusão da moda com o consumo e o entretenimento, possibilitando não apenas a concomitância de desfiles presenciais e virtuais, como também a democratização e globalização dos eventos (alcançando públicos antes impensáveis) e a implementação do chamado ‘see now, buy now’ (parceria entre as Fashion Weeks e os e-commerces, que possibilita a aquisição das coleções enquanto elas ainda estão nas passarelas).

Ao alcance dos nossos olhos, podemos citar além do óculos 3D da Dior (que por seu de design sofisticado e minimalista já se tornou um item de desejo para colecionadores de luxo), outras novidades trazidas por gigantes da tecnologia, que já disponibilizaram no mercado os seus óculos de realidade virtual (Gear VR da Samsung e Google Cardboard).  Isso sem nos olvidar das startups do Vale do Silício, que já trabalham no desenvolvimento de lentes de contato de realidade aumentada (Mojo Lens[10]).

Não apenas nos equipamentos, empresas apostam também no aprimoramento dos conteúdos digitais. Seguindo iniciativas, por exemplo, do que a North Face fez ao investir na produção de cenas de expedições que permitem que os seus clientes testem produtos e experiências[11], marcas de luxo certamente já estão mirando na direção de tecnologias que permitirão que os seus clientes se utilizem das realidades virtual e aumentada para não apenas conhecerem o making of das produções e testarem roupas, acessórios, joias, cores e maquiagens, como também serem protagonistas de experiências inesquecíveis que só o mundo digital é capaz de nos proporcionar.

Acompanhar a evolução dos negócios, das cadeias de produção e fornecimento, das estratégias de venda, das relações comerciais e entender a forma como a tecnologia está revolucionando tudo isso transformaram-se no maior desafio hoje enfrentado pelos profissionais atuantes no mundo jurídico. Nas áreas fiscal e tributária, infindáveis discussões sobre a caracterização jurídica a ser atribuída a essas novas relações e a identificação dos tributos aplicáveis a cada caso já têm tirado o sono de muitos. Como exemplos e sem qualquer pretensão de esgotar ou concluir sobre o tema, podemos citar algumas das problemáticas enfrentadas:

  • Nos licenciamentos de software, obscuridades quanto à classificação jurídica a ser dada ao uso de programas de computador causam inseguranças aos contribuintes e abrem espaços para as autoridades fiscais criarem as suas próprias teses e interpretações. Criatividade deveria ser, na verdade, uma atividade reservada aos estilistas, designers e inovadores digitais e não ao Fisco. Na prática, dúvidas surgem se o licenciamento do direito de usar um software deve ser interpretado como uma venda de mercadoria (software de prateleira), uma prestação de serviço (desenvolvimento de software tailor-made) ou uma concessão de uso de um direito (royalty, direito de comercialização e distribuição de licenças). Implicações das mais variadas formas surgem dessa falta de clareza, nas searas do ICMS, IPI, ISS, IRRF, IRPJ, CSLL, PIS, COFINS e CIDE. Em fevereiro de 2021, o STF esclareceu que, no seu entender, o licenciamento de software deve se submeter à incidência do ISS (e não do ICMS)[12]. Uma grande vitória para os contribuintes e uma grande derrota para os Estados, mas, inúmeras controvérsias envolvendo outros temas, como as remessas ao exterior e os licenciamentos realizados sob a modalidade de software as a service (SaaS)[13], ainda prometem muitas discussões;
  • Na inteligência das coisas ou IoT (Internet of Things), inovações misturam conceitos em um único produto. Uma roupa conectada, dotada de uma bateria, sensores, um chip, um modem e uma antena, que a permita se comunicar, via internet, com outros devices (computadores, tablets, smart watches, celulares) e prestar serviços e oferecer utilidades ao seu proprietário (controlar temperatura e temperamentos, corrigir posturas de yoga, acessar o spotify, monitorar batimentos cardíacos etc.) deve ser tratada como um produto (cuja venda se submete ao ICMS e IPI), um serviço (cuja prestação pode ou não estar sujeita ao ISS) ou ambos (e, aqui, como evitar a dupla tributação)? E, na qualidade de prestador, os serviços realizados devem ser enquadrados entre os serviços elencados na lista do ISS, como “SVA – Serviços de Valor Adicionado” (que, não raramente, estão fora do âmbito do imposto municipal) ou como serviços de comunicação (sujeitos ao ICMS-C)? Dentre as possíveis interpretações, seria razoável separar as atividades para tratá-las num primeiro momento como uma venda de um produto e, num instante subsequente, como uma prestação de serviços? Se positivo, como tributar os vários serviços envolvidos? Quebrando-os em pedaços (serviços listados, não listados e serviços de comunicação) para uma tributação segregada ou considerando-os conforme a relevância destes distintos elementos (tributação sobre o elemento preponderante, cuja relevância seria apurada com base nos percentuais dos custos envolvidos)?;
  • No marketing de influência, discussões surgem quanto ao tratamento fiscal aplicável aos benefícios e aos chamados ‘recebidos’ (produtos e serviços enviados pelas marcas aos influenciadores, sem exigência de uma contrapartida) pagos ou entregues aos digital influencers. Com exceção dos casos em que influenciadores recebem dinheiro em contrapartida aos seus serviços de marketing de influência (hipótese que configura uma prestação de serviço tributável), dúvidas surgem quanto ao tratamento dispensável aos jantares oferecidos por restaurantes, aos presentes enviados pelas empresas em troca de um esperado post no Instagram, aos convites para que as celebridades participem de viagens, eventos e festas e à concessão temporária aos influenciadores do uso de um carro. Devemos tratar tudo isso como um rendimento auferido ou uma doação? Tributável ou não tributável? As conclusões mudam se o influenciador for um ser humano ou um avatar digital? Quem aufere o rendimento? Como quantificá-lo? No âmbito internacional, benefícios recebidos pelos influenciadores (que podem chegar a montantes anuais milionários) já começaram a ser regulados e tributados. Enquanto Singapura colocou no alvo do Fisco não apenas os rendimentos auferidos pelos influencers, mas também os ‘recebidos’ ofertados pelas marcas a seus amigos e familiares; Austrália optou por atacar estruturas societárias montadas por influencers em busca de uma menor tributação. No Brasil, a atividade ainda não foi regulada e a tributação mantém-se ativa com base nas regras já existentes. Adaptações certamente serão necessárias e questões deverão em breve chegar aos tribunais;
  • Nas plataformas de consumo online e canais e-commerce e marketplace, desafios originam-se das constantes transformações nas cadeias de distribuição e fornecimento, causadas por reiteradas remodelações de negócios que na pandemia foram intensificadas, causando a criação de um emaranhado de novas relações comerciais. Plataformas digitais, que antes atuavam como compradores e revendedores de mercadorias (sujeitos ao ICMS), reposicionaram os seus negócios e passaram a se comportar como meros intermediários (sujeitos ao ISS), apenas aproximando as marcas dos seus consumidores finais. E as suas estruturas de logística e armazenagem passaram a ser compartilhadas com empresas de menor porte. Um custo que antes formava o preço de um produto revendido passou, então, a ser uma fonte direta de renda (aluguéis ou prestação de serviços de logística e armazenagem). Esta remodelação, que integrou e encurtou o supply chain, e que nos últimos tempos foi acompanhada de uma repentina e abrangente digitalização do comércio, acabou por forçar a imersão das marcas no fenômeno do omnichanel: ‘necessidade das empresas se adaptarem às novas exigências e expectativas dos consumidores, que demandam atendimentos (simultâneos) por todos os canais disponíveis: online, offline e online-offline’. Permitir aos consumidores que eles pesquisem na internet, adquiram no e-commerce, realizem trocas ou devoluções nos PDVs (pontos físicos de vendas) pressupõe investimentos em sistemas (TI), parcerias com plataformas digitais e meios de pagamento, marketing em vários meios de comunicação, eficientes controles de estoques (o que requer, inclusive, uma integração dos estoques de lojas franqueadas que, a rigor, pertencem a diferentes empreendedores), uma reapuração dos preços dos produtos ofertados (que devem ser uniformes em todos os canais de venda) e, por fim, uma maior colaboração da lei. Como sabemos, a circulação de mercadorias é tributada pelo ICMS e uma imensa burocracia, envolvendo notas fiscais, conhecimentos de transportes, obrigações acessórias e até mesmo o pagamento do imposto sobre meras transferências de produtos de um lugar a outro, mostra-se como o grande obstáculo à implementação de uma estrutura logística que, em virtude das novas exigências do mercado, passa a ter que antever e se adaptar às escolhas de consumo, agora, aleatórias e menos previsíveis dos consumidores finais. Projetos de lei e novas regras fiscais buscando a simplificação da burocracia e o reconhecimento das novas relações comerciais estão na mesa dos legisladores, em uma luta, lenta, de flexibilização e modernização legal;
  • Nas impressões 3D, os problemas jurídicos nascem de um outro tipo de remodelação de negócios, agora, provocada nas cadeias de produção. Ainda sob um ar futurista, já começamos a perceber, espantados, o que a impressão 3D é e será capaz de fazer. Desde a impressão de roupas e acessórios até a impressão de órgãos humanos e alimentos, a impressão digital veio para ficar. Ficar, inclusive, fora dos estabelecimentos fabris e dentro das casas dos seus consumidores finais. Esta nova forma de produzir coisas exigirá de nós, cada vez mais, um maior abandono de velhos conceitos do que costumávamos chamar de manufatura, industrialização, insumos, circulação de mercadorias. Sob a realidade digital, consumidores passam a atuar como fabricantes (impressores digitais), fábricas passam a vender serviços (de design e desenvolvimento de modelos de roupas e acessórios virtuais), desembaraços aduaneiros passam a dar lugar à importação de insumos digitais. Como tributar o novo, com regras ultrapassadas? Sem ferramentas úteis, aplicadores do Direito (incluindo doutrina e jurisprudência) têm inovado, para acomodar estas novas situações. E polêmicas começam a surgir: podemos tratar as impressões 3D como tratávamos as impressões 2D (composições gráficas) e tributá-las conforme a sua finalidade? O que o cliente quer? A impressão gráfica em si? Ou quer utilizá-la como um insumo (bula ou embalagem) para compor um produto final (remédio)? Podem as impressões 3D ser incluídas no item “13.05 – composição gráfica, exceto se destinados a posterior operação de comercialização ou industrialização” da Lei Complementar nº 116/2003? Se listadas, tais atividades se sujeitam ao ISS, caso contrário, ao ICMS? Pode a tributação variar a depender de quem opera a impressora 3D (oficina com mais ou menos operários, que consome mais ou menos kW) e dos custos envolvidos (tributação pelo ISS se os custos do elemento ‘trabalho intelectual’ forem preponderantes, tal como definido na Solução de Consulta COSIT n° 97/2019)? E a compra dos arquivos digitais (modelos virtuais das roupas e acessórios)? A ‘confecção’ desses modelos devem ser classificados como uma prestação de serviço de design? Ou como um arquivo digital com vocação para ser impresso? Se a sua utilidade somente puder se concretizar após a sua impressão, poderá a sua venda ser qualificada como ‘venda de um produto’, sujeitando-se ao ICMS e IPI?

Como vemos, a união da moda com a tecnologia não poderia ter nos trazido um filho mais rebelde. Um ser encantador pela sua dinâmica e seu senso de criatividade, mas que carrega em si uma grande complexidade, que exige de nós uma capacidade investigativa e habilidades de compreensão para que possamos entender todas as inovações advindas do seu constante crescimento, além de habilidades adicionais que nos permitam aplicar um conjunto de regras existentes às realidades dessa nova geração. Como bom pai e mãe, sabemos que filhos não vêm com manuais de instrução e, nesta medida, perguntar a outros pais como eles estão resolvendo os seus problemas domésticos têm nos parecido algo salutar, de forma que cada vez mais precisaremos não apenas de uma maior flexibilização das regras e de um maior bom senso dos julgamentos, mas também de constantes estudos de Direito Comparado que possam nos dar diretrizes para a implementação da melhor regulamentação a ser aplicada às novas realidades que estão por vir. Assim como as inovações nos chegam a cada instante, soluções jurídicas deverão ser construídas também no conta-gotas.

Por: Erika Tukiama

Advogada tributarista com foco em estruturação de negócios e transações digitais e internacionais. Especialista em Direito Tributário, pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Professora dos cursos de pós-graduação nos módulos de Negociação de Tratados Internacionais do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e de Fashion Law da Faculdade Santa Marcelina (FASM). Membro do Grupo de Pesquisas de Tributação e Novas Tecnologias da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Diretora e membro do Comitê Fiscal da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABCOMM).


[1] “Shudu is the world’s first digital ­supermodel. […] She’s been in magazines, fronted high-fashion campaigns, and garnered 159,000 Instagram followers and counting. […] The avatar was inspired by the Princess of South Africa Barbie doll – Wilson’s favourite growing up – as well as supermodels Alek Wek, Naomi Campbell and Iman.” (PRIDEAUX, Sophie. Fashion’s digital future: how 3D models and virtual clothes will soon become the norm. Disponível em: https://www.thenationalnews.com/lifestyle/fashion/fashion-s-digital-future-how-3d-models-and-virtual-clothes-will-soon-become-the-norm-1.836926. Acesso em: 24.jan.2021)

[2] SALAUDEEN, Aisha. Fashion designer showcases the future of the runway with 3D models. https://edition.cnn.com/2020/05/25/africa/3d-model-congo-fashion/index.html. Acesso em: 24.jsn.2021.

[3] REDAÇÃO DIVAHOLIC. As super modelos digitais levam a moda para um novo patamar. Disponível: https://www.divaholic.com.br/tecnologia/modelos-digitais-levam-moda-um-novo-incrivel-nivel/. Acesso em: 31.jan.2021.

[4] COY, Alice. Serão os desfiles 3D o futuro das apresentações virtuais? Disponível em: https://vogue.globo.com/moda/noticia/2020/08/serao-os-desfiles-3d-o-futuro-das-apresentacoes-virtuais.html. Acesso em: 24.jan.2021.

[5] TESO, Alie. All you need to know about Milan Phygital Fashion Week. https://lofficielbaltics.com/en/fashion-week/all-you-need-to-know-about-milan-phygital-fashion-week. Acesso em: 24.jan.2021.

[6] KRIEGER, Jessica. Semanas de Moda Digitais: 5 desfiles virtuais que deram o que falar. Disponível em: https://www.fashionbubbles.com/estilo/noticias-estilo/semanas-de-moda-digitais-5-desfiles-virtuais-que-deram-o-que-falar/. Acesso em 31.jan.2021.

[7] KRIEGER, Jessica. Desfile virtual: Chanel apresenta Cruise Collection 2021 nas plataformas digitais. Disponível em: https://www.fashionbubbles.com/noticias/desfile-virtual-chanel/. Acesso em: 24.jan.2021.

[8] ESTEVÃO, Ilca Maria. Balmain: veja como foi o desfile no rio Sena que comemorou 75 anos da grife. Disponível em: https://www.metropoles.com/colunas-blogs/ilca-maria-estevao/balmain-veja-como-foi-o-desfile-no-rio-sena-que-comemorou-75-anos-da-grife. Acesso em: 24.jan.2021.

[9] HESS, Francieli. Realidade Virtual na moda: a tecnologia como destaque na NYFW. Disponível em: https://www.fashionbubbles.com/tecnologia/realidade-virtual-na-moda-a-tecnologia-como-destaque-na-nyfw/. Acesso em: 01/02/2021

[10] SULLIVAN, Mark. The making of Mojo, AR contact lenses that give your eyes superpowers. Disponível em: https://www.fastcompany.com/90441928/the-making-of-mojo-ar-contact-lenses-that-give-your-eyes-superpowers. Acesso em 24.jan.2021.

[11] RAHIM, ELLFIAN. Keeping It Real With Virtual And Augmented Reality. Disponível em: https://thepeak.com.my/style/keeping-it-real-in-virtual-reality/. Acesso em: 01.fev.2021.

[12] STF, ADIs 1.945 (relatoria Ministra Cármen Lúcia) e 5.659 (relator Ministro Dias Toffoli), Tribunal Pleno, j. 24.02.2021.

[13] Modalidade contratual pela qual o usuário tem acesso ao uso de um software (de prateleira ou não) na nuvem (internet). Sob um arranjo de SaaS, o software não precisa ser baixado (download) no computador (ou outro device) do usuário, tampouco precisa este se preocupar com esquemas de firewall e atualização de programas. Armazenamento de dados na nuvem e suporte técnico são igualmente oferecidos nos pacotes contratados. Trata-se como visto de um contrato formado por inúmeras relações jurídicas que, no âmbito tributário, podem trazer diferentes consequências impositivas. 

Fashion Law ou Direito da Moda: a valorização da língua nacional na aplicação dos institutos jurídicos

A língua portuguesa tem sua origem dividida em cinco períodos: pré-românico, românico, galego-português, português arcaico e português moderno. Contudo, pode-se dizer que o idioma, hoje falado, guarda conexão com o período pré-românico, em sua versão conhecida pelo latim, vez que era utilizado pelos primitivos habitantes de Roma. A unificação de Portugal, ocorrida no século XIII, é considerada o marco teórico de definição do idioma e, consequentemente, a responsável pela Língua Portuguesa a ser adotada no Brasil.[1]

Sabe-se que, no Brasil, a variação linguística apresenta vasta diversidade, tanto que pesquisadores do ramo da linguística chamada de dialetologia afirmam a existência de 6 (seis) grupos de dialetos, os quais podem ser subdivididos conforme o critério regional brasileiro. Dentre os exemplos, apresentam-se os dialetos nordestino, amazônico, sulista e sudestino.[2]

Oportuno salientar que o português está na lista dos 10 (dez) idiomas mais falados do mundo, vez que aproximadamente 230 (duzentos e trinta) milhões de pessoas o adotaram em 4 (quatro) diferentes continentes. Nesse contexto, em 1986, a União Europeia o consagrou como uma das suas línguas oficiais, razão pela qual, em 1996, surgiu a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), que tem por escopo principal a difusão e valorização do idioma. Em perspectiva semelhante, o novo acordo ortográfico, que até meados de 2019, ainda estava em processo de implementação, também busca a expansão do idioma, sobretudo com o objetivo de unificar a gramática dos países lusófonos.

Portanto, entende-se que todos os esforços viabilizam a valorização da Língua Portuguesa, fato que se mantém como imperativo de garantia do desenvolvimento econômico e social dos países lusófonos.

É relevante o fortalecimento da imagem de nação, a partir do despertar da unidade nacional, de modo que a expansão linguística desta gera reconhecimento e vitrinização mundial no processo de globalização mercantilista e reafirma a soberania desses atores internacionais.

Em exemplificação, a língua inglesa é considerada hoje universal, e, em virtude dessa notoriedade, a própria identidade linguística dos países que a utilizam exsurge como potência econômica, cultural e política e dentre outros, embora outros fatores possam ser considerados como relevantes na expansão do capital social e econômico de um país, como o patriotismo.

Nesse contexto, o Brasil carece de patriotismo, muito pela inexistência de aproximação cultural e histórica da sociedade e, principalmente, porque a “noção propagada de nacionalismo está relacionada ao ideal de um patrimônio herdado”[3] em razão do processo de Colonização ocorrido. Por isso, o povo brasileiro tem dificuldade em se reconhecer como nação, fator que leva ao favorecimento das culturas estrangeiras e à deferência aos produtos importados.

Ainda, observa-se certa resistência à ideia de formação de uma identidade nacional em virtude da “utilização propagandista das temáticas do patriotismo e do nacionalismo pela ditadura militar no Brasil”[4] que usurpou institutos tão importantes para o descrédito de tais noções. Esses obstáculos compõem um traço comportamental histórico o qual necessita ser rompido.

Afinal, desde o Brasil Colônia, evidenciou-se um processo de “bestialização” do povo, quanto ao processo político-civilizatório do país, que assistiu, de forma apática, à independência e à proclamação da República.

Nessa perspectiva, a figura de um patriotismo usurpado exsurge e, consequentemente, ainda contribui com a falta de identidade nacional. Por isso compreende-se a falta de respeito à Constituição, inclusive por parte dos representantes, vez que é essencial para uma sociedade ter sua identidade pautada na sua tradição histórica, para que haja “lealdade constitucional, que não pode ser imposta juridicamente, enraizada nas motivações e convicções dos cidadãos, só pode ser esperada se eles entenderem o Estado Constitucional como uma realização de sua própria história.”[5]

Em corroboração a essa conclusão, exemplifica-se o fato de que ”os EUA e a Suíça são duas sociedades que conseguiram um admirável grau de estabilidade”, oriunda de articulação política alicerçada, na lealdade constitucional, características que permitiram a solidificação das garantias constitucionais, além da posse sobre o processo histórico, cultural e linguístico do povo.

À vista disso, faz-se necessário o despertar do povo brasileiro para as questões nacionais, pois ‘o Brasil torna-se inglês em assunto de governo, continuando, porém, a ser o mesmo em religião, ciência, indústria, comércio e os demais pontos de relação da vida social”. Afinal, há uma “diferença nas trajetórias históricas entre os povos”[6], vez que cada nação necessita ter consciência histórica e cultural do seu povo, para que não se limite a utilizar símbolos culturais estrangeiros como bússola em desconsideração à própria realidade nacional.

Porquanto, o intuito deste artigo é demonstrar a necessidade de valorização da Língua Portuguesa, quando da aplicação dos institutos jurídicos do ordenamento pátrio, para que haja contribuição de sedimentação identitária do vocábulo como um dos principais instrumentos de representatividade cultural fortificada. Uma vez respeitada e solidificada a identidade nacional, por meio da expressão linguística, maior será o capital social, político e econômico do Brasil.

Nesse sentido, deve-se desestimular a incorporação de estrangeirismos ao vocábulo jurídico pátrio, por exemplo,“visual law”, “fashion law” e outros do gênero. Muito mais interessante que tais institutos sejam expressos em Português, sobretudo, por “restar o idioma português como objeto constitucional no Brasil”[7], conforme previsto no Art. 13 da CFRB de 1988, que aduz: “a Língua Portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil.”

Precipuamente, é de se considerar a necessidade de fortalecer os símbolos nacionais, para que a brasilidade se propague nas vitrines de mercado internacional. Em paralelo ao Direito da Moda, é imprescindível a propagação dos símbolos nacionais, vez que, no âmbito interno, a maior parte dos atores da Indústria da Moda é composta por pessoas não bilíngues, razão pela qual a preferência por termos norte-americanizados gera distanciamento e edifica barreiras na comunicação entre os especialistas e os empresários, além do próprio mercado consumidor.

Nessa perspectiva, convém destacar “o levantamento feito pela British Council o qual mostrou que apenas 5% (cinco por cento) da população brasileira sabe se comunicar em inglês, ou seja, 10.425 (dez milhões e quatrocentos e vinte e cinco mil pessoas)  dos mais de 208 milhões de habitantes”.[8] Ressalte-se que tais indivíduos influentes estão inseridos em nichos universitários, o que justifica a necessidade de profissionais do Direito, inclusive da nova era tecnológica, de tornarem acessível os processos adquiridos por meio da globalização. Para tanto, é essencial compreender a realidade cultural brasileira, sobretudo, no setor mercadológico, pois não se pode querer transformar o cenário a partir do topo da pirâmide, mas, na base.

No plano internacional,“ é bem verdade que é muito mais difundida a terminologia Fashion Law, assim como é mais atrativo, por se tratar de um objeto internacional e universal como a Moda.”7 Entretanto, a incorporação do estudo do Direito da Moda, no vernáculo, atrai para o mercado uma visão mais nacionalista do setor e solidifica a unidade nacional que, embora pareça contraditório, comprovadamente agrada muito mais o mercado internacional, basta analisar que, apesar do Direito da Moda ter se tornado uma “tendência de estudo mundial, todavia, cada país utiliza-se da terminologia de sua língua pátria, por exemplo, na Espanha: Derecho y Moda; na Itália: Legge dela Moda; na França, Droite de La mode”. “8

       A problematização da questão do emprego de estrangeirismos no cotidiano jurídico nacional, após art. 13 da Constituição Federal, como já foi supra citado, vem no próprio Código de Ética e Disciplina da OAB[9], em seu dispositivo 29 (dentro do título de publicidade na advocacia), onde em seu inciso 6º diz:

     §6º O anúncio, no Brasil, deve adotar o idioma português, e, quando em idioma estrangeiro, deve estar acompanhado da respectiva tradução.

      Assim pode-se compreender que se há a utilização de termos estrangeiros, é obrigatório a respectiva tradução para a língua nacional. Termos como Fashion Law, já tratado anteriormente neste artigo, Tax Law, Visual Law, entre outros, estão cada vez mais comuns de serem observados, principalmente nas redes sociais.

        A fixação atual entre os advogados é o Visual Law, também conhecido como Legal Design, com o foco tornar comunicação jurídica mais acessível para o público final. Ora, se a resultante é a acessibilidade principalmente para o cliente, utilizar estrangeirismos é uma forma de criar uma lacuna entre o profissional e o propenso cliente brasileiro.

         O direito precisa ser compreensível para promover o acesso à justiça, isso é, não apenas para aquele advogado, mas para todas as figuras representadas na relação jurídica, tais como: cliente, advogados, judiciário, etc. A língua portuguesa já é complexa o bastante para o emprego de tantas palavras importadas de outras culturas, tendo em vista que existem mais de 5.000 verbos.

         Caso completamente diferente dos demais já abordados, de quando  se é necessário o emprego de línguas estrangeiras no cotidiano processual, tais como documentos originários de línguas diversas ao português, mas ora neste trabalho trata-se de provas para o desenvolvimento do processo. Essa tradução é realizada por um tradutor juramentado e somente realizada assim é reconhecida oficialmente por instituições e órgãos públicos diversos no Brasil e tem validade como documento oficial ou legal.

Portanto, se perfaz urgente a valorização da Língua Portuguesa na incorporação dos institutos jurídicos ao ordenamento pátrio.

REFERÊNCIAS

ALVES, Dayane Nayara. Impactos Econômicos e Sociais da Pirataria na Indústria da Moda. Lumén Juris: Rio de Janeiro, 2021.

BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico. Loyola: São Paulo, 1999.

BARRETO, Tobias. A Questão do Poder Moderador e outros ensaios brasileiros. Petrópolis: vozes; Brasília, 1977.

CAVALCANTI, Antônio Cavalcanti. Diversidade cultural, identidade nacional brasileira e patriotismo Constitucional. Disponível em: http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/palestras/Diversidade_Cultural/FCRB_ DiversidadeCulturalBrasileira_AntonioCavalcanti.pdf . Acesso em: 28.mai 2021.

COLAÇO, Hian Silva. Separação de Poderes na Constituição Imperial: a questão do Poder Moderador como epicentro dos dilemas do pensamento constitucional. In: Mont´Averne, Martônio(org). Temas de Direito Constitucional Brasileiro. Lumen Juris; Rio de Janeiro, 2016.

DIANA, Daniela. História da Língua Portuguesa. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/historia-da-lingua-portuguesa/. Acesso em: 26. mai 2021

HABERMAS, Jürgen. Communication and the Evolution of Society. Boston: Beacon Press, 1979.

COELHO, Lilian. Visual Law: o que é e como pode transformar a sua advocacia. Disponível em:

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BRASIL. Código de Ética e Disciplina. Disponível em: https://www.oab.org.br/content/pdf/legislacaooab/codigodeetica.pdf.

Por:

Dayane Nayara Alves – Mestra em Direito Econômico e Desenvolvimento pela UCAM-RJ. Especialista em Direito Fiscal pela PUC-RJ. Especialista em Fashion Law pela FASM-SP. Extensão em Fashion Law pela UERJ.

Isabella Pari Bortoloti – Advogada especialista em Direito Processual Civil e Empresarial. Pós-graduanda em Direito do Consumidor. Cursos de Extensão em: Fashion Law: Modelos de Negócio e Proteção de Propriedade Intelectual pela FAAP, Lei Geral de Proteção de Dados, Propriedade Industrial e Práticas Modernas no Direito do Consumidor pelo Damásio Educacional.

Presidente da Comissão de Estudos em Direito da Moda Da 38ª Subseção de Santo André – OAB/SP.


[1] BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico. Loyola: São Paulo, 1999.

[2] https://www.todamateria.com.br/historia-da-lingua-portuguesa/.

[3] HABERMAS, Jürgen. Communication and the Evolution of Society. Boston: Beacon Press, 1979.

[4] http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/palestras/Diversidade_Cultural/FCRB_ DiversidadeCulturalBrasileira_AntonioCavalcanti.pdf

[5] BARRETO, Tobias. A Questão do Poder Moderador e outros ensaios brasileiros. Petrópolis: vozes; Brasília, 1977.

[6] COLAÇO, Hian Silva. Separação de Poderes na Constituição Imperial: a questão do Poder Moderador como epicentro dos dilemas do pensamento constitucional. In: Mont´Averne, Martônio(org). Temas de Direito Constitucional Brasileiro. Lumen Juris; Rio de Janeiro, 2016.

[7] ALVES, Dayane Nayara. Impactos Econômicos e Sociais da Pirataria na Indústria da Moda. Lumén Juris: Rio de Janeiro, 2021.

[8] ALVES, Dayane Nayara. Impactos Econômicos e Sociais da Pirataria na Indústria da Moda. Lumén Juris: Rio de Janeiro, 2021.

[9] https://www.oab.org.br/content/pdf/legislacaooab/codigodeetica.pdf.