Por Plínio Higasi e Katia Wakita
Muito se fala sobre os avanços tecnológicos havidos em nosso mundo, os quais impactam as mais diversas áreas da sociedade de forma significativa. Entretanto, ainda há pouco debate quando se buscam profissionais da área jurídica com efetivo conhecimento quanto à raiz da tecnologia da informação, seus conceitos lógicos e sua forma de funcionamento.
De forma ainda mais restrita está o conhecimento acerca do Direito relacionado à Tecnologia aplicada à Medicina, ou seja, o Direito Digital aplicado ao Direito Médico e da Saúde, sendo essa carência de análise técnica um complicador para dirimir questões jurídicas acerca da problemática que envolve o tema.
Como exemplo, podemos citar a tecnologia em escala nanométrica (nanotecnologia). Esta tecnologia vem sendo aprimorada para ter sua utilização como tratamentos alternativos em diversas situações na área da saúde a chamada “nanomedicina”, tendo apresentado avanços nas aplicações de “nanomateriais” na medicina tradicional, que ainda se apresentam em fase de testes.
Porém, juntamente com esses avanços tecnológicos, como no caso dos benefícios que a nanotecnologia pode nos proporcionar, encontra-se o fato de que ainda não há conhecimento sobre a limitação de seu uso, o que demanda maiores cuidados justamente pelas peculiaridades e profundidade dos trabalhos envolvidos, conforme podemos expor e debater brevemente abaixo:
- Como uma das funções do Direito é a regulamentação da vida em sociedade (a qual está cada vez mais dominada pela utilização fluida de tecnologias), o ordenamento jurídico brasileiro precisa acompanhar os avanços absorvidos pela população, e regulá-los da melhor forma possível. Essa regulamentação é possível somente se houver envolvimento de profissionais cuja especialidade transite todas as áreas envolvidas;
- Tanto a área da Tecnologia como da Medicina não são simples para os profissionais da área jurídica, demandando dos profissionais da área de humanas (operadores do Direito, por exemplo), que saibam transitar na áreas relacionadas biológicas e exatas, o que não costuma ser convidativo àqueles que buscam discussões filosóficas exclusivamente quanto aos aspectos jurídicos;
- Os peritos e assistentes técnicos terão suas comunicações limitadas à pormenorização do funcionamento e das regras tecnológicas no caso, até que se chegue à transcrição do caso, a qual competirá ao profissional de Direito, sendo que este deve fazê-la com profundidade e conhecimento informático para tanto. Caso o Operador do Direito não tenha conhecimento pleno na área da tecnologia, correrá o risco de tudo se tornar um “telefone sem fio” inclusive com preparação de lista falha de quesitos, pois apenas uma redação didática e exemplificativa do operador tornará possível a resposta do assistente do Juiz (Perito nomeado), assim como a compreensão do julgador.
- Por mais que os fatos jurídicos ocorridos nos meios eletrônicos utilizados para fins medicinais sejam indubitavelmente sujeitos às normas de Direito existentes, como amplamente debatido por estudiosos de Direito quanto à Responsabilidade Civil, cujos requisitos estão previstos nos artigos 927 e 186 do Código Civil Brasileiro, o fator limitante à alegação será a forma de comprovação da existência ou não de culpa do profissional. Por exemplo, em um caso em que o indivíduo tiver sua enfermidade tratada de forma equivocada por uma tecnologia eletrônica médica, como é o caso das cirurgias robóticas, demandará dos profissionais envolvidos o conhecimento relativo ao que poderia ser feito diferente pelo profissional médico, pela tecnologia utilizada, e como o resultado efetivamente buscado poderia ser alcançado.Ou seja, o operador do Direito que atuar no caso exemplificado, precisará explicar pormenorizadamente todo o ocorrido, com a menor quantidade de falhas técnicas possível, para que o Julgador consiga compreender o raciocínio que os peritos e assistentes estão desenvolvendo suas teses e questionamentos
Por fim, e de forma mais importante:
- 5. O fator temerário será a elaboração de normas sem o apoio de juristas com fácil trânsito na área do direito aplicado às tecnologias médicas, visto que as normas criadas sem a base lógica e funcional das áreas de Informática (hardware e/ou software) e Médica (compreendendo pelo menos a base da forma de funcionamento do corpo humano e seus sistemas), poderão surtir efeito contrário ao esperado, e ao invés de regular de forma adequada e condizente com a realidade os fatos jurídicos, as normas redigidas sem discussões com profissionais de alto nível poderão gerar ainda mais injustiças e imbróglios pela falta de discussão hábil sobre os temas.
Assim, como pode-se verificar pelos pontos citados acima, o Direito frequentemente auxilia e cada vez mais auxiliará a Medicina em meio aos avanços da Inteligência Artificial, pois é extraordinário o que a tecnologia vem alcançando na área da saúde, propondo soluções que facilitem o trabalho dos profissionais e alternativas aos pacientes envolvidos, assim como já vem acontecendo na área jurídica, como as legaltechs e lawtechs.
Contudo, é inegável que deva haver uma interface entre o Direito e a Medicina para que, ao mesmo tempo, todos esses avanços tecnológicos (seja no campo da nanomedicina ou da medicina robótica) não venham a se tornar um entrave com equívocos médicos e tampouco mais um palco de intervenções jurídicas.
O crescimento exponencial com que conhecimentos tecnológicos são dispostos à sociedade, e cada vez mais têm beneficiado a classe médica, traz consigo muitos questionamentos e desconfianças em relação às consequências jurídicas que podem incorrer nas etapas de sua utilização.
Esses questionamentos e desconfianças se dão pela necessidade de estudos mais aprimorados e incisivos para utilização dessas inovações, assim também para uma eventual regulamentação legal, possibilitando dirimir previamente eventuais questões jurídicas que podem envolvem os procedimentos.
Tais questionamentos costumam circundar os temas sobre Inteligência Artificial (AI), principalmente na área Médica, para a qual vem sendo desenvolvida muitas vezes visando uma simulação do ser humano transmutado em uma máquina, de modo que esta reduza ruídos ou falhas que o profissional, enquanto ser humano, pode vir a cometer. Porém, deve se ter a clareza de que a própria tecnologia pode ser falha.
Portanto, há muitas questões éticas, morais, jurídicas e de segurança envolvidas no tema, e essa complexidade em identificar e definir pontos de responsabilidade nas etapas em que essas tecnologias são utilizadas, ainda terá muito campo para debate.
Plínio Higasi é Advogado especialista na área do Direito Digital, com amplo conhecimento em tecnologia e informática, sócio-fundador do HVA Advogados, com LLM em Direito e Tecnologia pela Escola Politécnica da USP, especializações pela FGV e PUC/SP, e atual mestrando em Inteligência Artificial aplicada ao Direito na Faculdade de Tecnologia da Inteligência e Design Digital – PUC/SP (Campus de Exatas). Fundador, e atual Presidente do Conselho do portal DigitalRights.cc. Membro efetivo da Comissão de Direito Digital da OAB/SP
Katia Wakita é advogada atuante no Direito Médico e da Saúde, possui histórico em renomadas bancas da advocacia desde 2010, com especialização em Direito Tributário, e membro efetivo da Comissão Especial de Direito Médico e da Saúde da OAB/SP.