A pandemia da Covid-19 como combustível para a mudança da prática jurídica no mundo da moda, beleza e design

O Direito é uma construção cultural, ciência que sempre correrá atrás dos fatos. Em outras palavras, o Direito é como um reflexo da sociedade e dos tempos que vivemos. Ao passo que a humanidade evolui, seja com a criação de novas tecnologias, seja com situações de crise, o Direito é obrigado a caminhar junto. Isto vem com a criação de novas leis, novos entendimentos doutrinários e jurisprudência que vai se moldando aos tempos e desafios.

O Poder Judiciário, as leis e os players deste mercado (em especial, os advogados) são vistos habitualmente com desconfiança e descrédito, fruto de suas práticas arcaicas e uma notável dificuldade enraizada de se modernizar e se adaptar ao mundo 4.0. Todavia, com a pandemia da Covid-19, o Direito foi colocado sob o holofote, tendo em vista os inúmeros reflexos que a questão sanitária trouxe, assumindo uma posição de protagonista nestes novos tempos, e forçando uma série de mudanças e inovações que são vistas como bons e novos ares para a prática jurídica.

Em poucos dias, dezenas de novas normas alteravam temporariamente direitos trabalhistas de forma bastante relevante, outras alteravam os direitos consumeristas, como tentativas de criar um melhor balanço nas relações desestabilizadas pela crise. Tivemos flexibilização de regras tributárias e alteração de dezenas de regramentos administrativos.

Neste contexto, as indústrias da moda, beleza e design foram impactadas pela pandemia na exata proporção de sua relevância na economia nacional, que é grande. Com centros comerciais fechados, empregados afastados e consumo temporariamente em absoluto declínio, os players destas indústrias sentiram um baque significativo em suas atividades, ainda sem perspectiva de melhoria concreta. Ao mesmo tempo, discussões de inadimplemento contratuais como as de revisão de aluguel de loja em shopping center já começam a invadir o Judiciário, assim como são previstas ondas de processos de consumidores, sejam no polo passivo, em caso de incapacidade de honrar compromissos firmados, seja no polo ativo, contra empresas que não tenham conseguido, por exemplo, entregar uma mercadoria comprada pelo consumidor.

Ainda que não se tenham respostas concretas e uníssonas de como o Direito tecnicamente deverá alcançar e superar os desafios atuais trazidos para estes mercados, reflexos positivos já podem ser vistos. Mesmo que a prática jurídica em tempos de crise seja difícil e incerta, a pandemia serviu como combustível para acelerar o processo de inevitável modernização jurídica.

Apenas para citar alguns exemplos, cada vez mais as plataformas de e-commerce e marketplace sofisticam seus mecanismos de solução de conflitos e disputas internos e online, evitando a judicialização da discussão entre as partes. A disrupção provocada pela crise também é positiva ao passo que os smart legal contracts finalmente passam a ter sua utilidade compreendida. Geridos online, estes possuem algumas regras pré-determinadas, e de acordo com a coleta de informações do mundo exterior (como por exemplo, a decretação de pandemia mundial), automaticamente alguns gatilhos são disparados, com a alteração de algumas das condições estabelecidas, de acordo com a capacidade de cada parte de performar o contrato.

Por fim, já tivemos sessões plenárias virtuais do STF, e o Judiciário claramente acelerou seu processo de mudança de paradigma, deixando de ser um “local” e caminhando para o ideal de “justice as a service” há anos debatido, tornando-o mais ágil, moderno e online, com audiências por videoconferência, processos digitalizados e remodelação de procedimentos. A crise, aqui, é a oportunidade para que o Judiciário saia de modo irreversível do mundo offline e evite inclusive um possível colapso futuro, com dezenas de milhares de ações que possam surgir de discussões de revisões contratuais, reclamações trabalhistas e inúmeras outras questões decorrentes dos tempos de pandemia que podem retardar ainda mais a retomada de crescimento de indústrias como as da moda, beleza e design, que já foram altamente impactadas com a pandemia e não podem se dar ao luxo de sofrerem novos golpes no período pós-crise.

Tem-se então uma grande esperança, de que que as mudanças trazidas pelos desafios decorrentes da pandemia sejam efetivamente internalizadas na prática jurídica, tornando-a mais acessível e sensível às necessidades de indústrias especificas como a da moda, moderna, ágil e, por que não, sustentável.

Originalmente publicado no Ecoera

Por Cassio Mosse

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