Direito da Moda e uma nova visão para questão da imagem das modelos

Falar sobre Direito da Moda é, antes de tudo, recordar-se de um mercado que movimenta bilhões. Mesmo em períodos de crise, como em 2017, a indústria da moda movimentou mais de 100 bilhões de reais. No presente ano de 2020, as projeções eram positivas, porém, com a crise advinda da propagação da Covid-19, provocada pelo coronavírus, possivelmente haja uma queda no setor, ainda não estimada. Mesmo assim, é um mercado atraente.
Ao se falar em moda, uma das primeiras coisas que vem à cabeça das pessoas é a profissão de modelo. A maioria imediatamente pensa nas supermodelos, com cachês altíssimos, que conseguem chegar facilmente ao primeiro milhão em pouco tempo de carreira, as belas que brilham, constroem seu patrimônio e sua figura de celebridade. Porém, poucos sabem com quanto trabalho e esforço tiveram de contar. Como diz
Libardi, uma conhecida autora da área da moda, ser modelo não é uma brincadeira, nem deve ser um hobby predileto. É uma profissão. Assim como o médico, a modelo também tem suas obrigações. E estas são muitas, pois o mercado hoje é altamente profissional e exige das modelos uma postura condizente.
Independente de classe social, cor, raça, credo ou preferência política, diversas pessoas querem ocupar o posto de top model. As agências recebem dezenas de telefonemas e e-mails por dia e muitos inspiram-se em Gisele Bündchen ou Jesus Luz. Por conta disso, essa é uma profissão também de classes menos favorecidas. Mesmo para quem não teve acesso a uma educação tradicional ou adequada, transparece ser alternativa positiva. Não se vê a necessidade de investir em educação, pois pensa-se que se pode
começar desde cedo e fazer dinheiro em pouco tempo e sem qualquer formação. É necessário ter consciência de que esse mercado é concorrido e exigente. Por outro lado, é amplo e oferece inúmeras oportunidades. Somente o discernimento, o preparo, a dedicação e a vocação permitem a transformação do sonho em realidade.
Neste tipo de trabalho, a questão da imagem se mostra fundamental. No mundo contemporâneo, como afirmamos em nosso livro, o conceito de imagem ocupa lugar central. É impossível não ser tocado por imagens atualmente. No computador, na televisão, no celular, além de que, cada vez mais se facilitam as tecnologias para se “guardar” uma imagem. Talvez mais do que fazer ligações, o celular é um meio de registro de imagens. Nas redes sociais, as pessoas se comunicam mais por imagens do que por textos. As chamadas “selfies” se fazem cada vez mais presentes, não apenas na intimidade, mas até para registro de solenidades.
A imagem torna possível o viver. A vida animal, a vida sensível em todas suas formas, pode ser definida, segundo um pensador atual chamado Emanuelle Coccia, como uma faculdade particular de se relacionar com as imagens. O ser humano não é o animal racional porque conhece ou pode conhecer, mas sim porque se auto-reconhece como imagem. Ele vê e sente sua imagem. Sua vida somente é possível por meio de imagens, que são muito mais que meras representações. O ser humano vive no mundo a partir do sensível, ou seja, a partir de suas sensações e não por meio de percepções, como já demonstraram diversos campos do conhecimento.
No espaço da moda, isto é muito mais perceptível. Toda vez que se veste, o ser humano devolve sua imagem ao mundo exterior. Aquilo que ele sente ser como imagem, ele lança ao mundo com sua vestimenta. Além de uma característica de proteção, a roupa transmite a imagem que a pessoa é. Pode-se dizer, assim, junto com Coccia, que o ser humano é o animal que aprendeu a se vestir.
Essa nova concepção de imagem é fundamental ao direito, porque, normalmente, este trabalha com o conceito de imagem como um atributo da personalidade. Atributo essencial, é claro, mas ainda assim como uma “propriedade”. Se olharmos por essa perspectiva acima, a imagem não é só um atributo. Ela é o que o ser humano é. Ela é a própria pessoa. Portanto, a imagem não é apenas um direito personalíssimo, mas ela é aquilo que constitui a pessoa e, assim, é ela que possibilita a aquisição de direitos.
Na doutrina clássica, a imagem está atrelada à ideia de representação. O que está em jogo aqui, é afirmar que imagem está ligada à ideia de constituição; constituição essa do próprio ser da pessoa.
No Direito da Moda, principalmente quando se trata da profissão de modelo, ou de atores e atrizes que fotografam, ou mesmo pessoas que o fazem esporadicamente, significa dizer que, se a imagem for atingida, não é simplesmente um direito que foi violado. Mas é afirmar que a integridade mesma da pessoa foi alcançada.
A tese é nova e merece desenvolvimento. E este é um dos desafios para o Direito da Moda!

Por Valquíria Sabóia

Bibliografia

SABÓIA, Valquíria. Direito da Moda: uma introdução ao Fashion Law. São Paulo: Giostri Editora, 2020.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *