Desafios da Moda Phygital e as quatro estações de 2020

Após um ano de distanciamento social, começamos a finalmente entender como os novos usos da tecnologia serão incorporados no mundo da moda, nos seus desfiles, na produção das roupas e acessórios e nas novas estratégias de acesso ao consumidor, marketing, venda e logística. Não só para a moda, o ano de 2020 foi um divisor de águas e um acelerador nos quesitos: experimentação, adaptação, desenvolvimento e implementação das mais variadas soluções digitais, que mostraram às marcas o poder e as vantagens da democratização e aos consumidores a satisfação de enfim fazer parte do processo de criação dos produtos que eles tanto desejam.

Como dizemos por aí, 2020 foi o ano em que vivemos de uma forma bem definida todas as quatro estações, só que em uma ordem aleatória.

Se bem nos lembramos, começamos o ano que passou testemunhando o início de uma pandemia que, num isolamento radical, aprisionou pessoas, fechou fábricas, fechou lojas, fechou carteiras, manteve aviões em solo e os nossos pensamentos no ar. Vivenciamos um fenômeno que nos forçou experimentar o acesso remoto e o uso das salas virtuais e que nos fez ouvir, possivelmente pela primeira vez, um zoom-nido que ainda ecoa no nosso dia a dia, sem hora para acabar. O licenciamento de software, a aquisição de novos hardwares e gadgets e a instalação, no aconchego dos nossos lares, de uma infraestrutura digital (conectividade, internet e wi-fi) marcaram o INVERNO (para nós de 40 graus) de 2020. Ato contínuo, intensificamos o uso das redes sociais e das plataformas digitais para nos manter em comunicação com o mundo e em contato com colegas de trabalho, familiares e amigos. Passamos a consumir somente através de canais virtuais e obrigamos as marcas a provocarem uma repentina transformação nas cadeias de produção e de fornecimento. Empreendedores formaram parcerias com gigantes do e-commerce e

infraestruturas de armazenagem e distribuição de mercadorias passaram a ser compartilhadas. Iniciativas (ainda tímidas) de investimentos estimularam o amadurecimento de uma nova forma de produção: as impressões 3D.O marketing de influência se intensificou. O fenômeno da omniera ou omnichanel (disponibilização de todos os tipos de canais de venda e posicionamento do consumidor no centro do processo) deixou de ser um termo sofisticado e foi introduzido, em caráter de urgência, nas pautas de reuniões de negócios e, também, no jargão popular. E, na moda, soluções online (desfiles virtuais ou streaming de filmagens) foram implementadas para aproximar consumidores das coleções daquele OUTONO.

O fim da primeira onda da pandemia trouxe um desejo incontrolável de reencontrarmos o controle da situação. Sob ânimos esquentados, expurgamos o isolamento e nos aglomeramos. Desejamos voltar ao físico e ao 100% presencial, mas o vírus nos avisou que o nosso VERÃO ainda seria sem sol e sem fotossíntese e que, infelizmente, teríamos que nos manter afastados, por mais um punhado de indefinidos meses, para consolidarmos alguns conceitos ainda não inteiramente assimilados, dentre eles: a compatibilização do normal com o novo normal. 

De uma escapada física retornamos às soluções digitais. Londres, Paris, Milão e Shangai substituíram as passarelas por semanas de moda virtuais com apresentações, via streaming, de desfiles filmados ou vídeos do making of das criações; chats de interação com os estilistas e plataformas online para a aquisição das roupas recém-desfiladas. Shudu[1], Dagny, Margot, Zhi e Mara, top models corporificadas em avatares digitais, voltaram ou debutaram nas passarelas, enquanto outras (Miquela, Bermuda e Noonoouri[2]) ocuparam rankings no rol de influenciadoras do mundo da moda.[3]

Inovações mais marcantes ficaram por conta da marca Hanifa, da congolesa Anifa Mvuemba, que em maio de 2020 inaugurou a onda dos desfiles 3D, em uma live no Instagram, onde ela apresentou a sua coleção com ‘roupas digitais em movimento’[4].

O fim do VERÃO começou com o surgimento de tratamentos mais eficazes no combate à COVID-19 e com as notícias de vacinas que nos possibilitariam um início da compatibilização do antes com o depois. E, assim, em meio a uma PRIMAVERA fora de hora, buscamos esperançosamente por um clima mais ameno. Na moda, as marcas encontraram o seu lugar entre o céu e a terra. Enquanto Fendi[5], Dolce & Gabbana, Versace e Salvatore Ferragamo optaram por desfiles presenciais, Prada[6], Chanel[7], Valentino, Dior, Missoni, Giorgio Armani e Moschino implementaram soluções integralmente digitais para a apresentação das suas coleções e tendências para 2021.

Outras marcas, optaram pela mistura do online com o offline. Em julho de 2020, a grife de Pierre Balmain comemorou os seus 75 anos de aniversário, produzindo um evento filmado sobre as águas do rio Sena, em Paris. Sob a direção de Olivier Rousteing, o evento denominado ‘Balmain Sur Seine[8] foi assistido por pessoas às margens deste rio, transmitido ao vivo pelo aplicativo Tik Tok e contou com 21 modelos que desfilaram peças assinadas por alguns dos diretores criativos que fizeram história na marca, incluindo o próprio Pierre Balmain e Oscar de la Renta.

Como vemos, o equilíbrio entre o antes e o depois, trazido por uma PRIMAVERA adaptada, mostra-nos que a tendência para as próximas coleções nos reserva uma cada vez maior mistura do físico com o virtual, a chamada experiência PHYGITAL, que, para além do desfile (ao vivo e via streaming) de roupas (costuradas e virtuais) por modelos e super modelos (humanas e digitais), ainda permitirá a introdução de outras tecnologias (já em desenvolvimento) para aumentar a interação entre os mundos reais e algorítmicos. A título exemplificativo, podemos citar a evolução do Dior Eyes[9], um gadget (headphone 3D) que proporciona ao seu usuário a possibilidade de uma completa imersão no mundo da realidade virtual, onde convidados podem, simultaneamente aos desfiles presenciais, assistirem vídeos 3D com cenas, por exemplo, dos bastidoresdos desfiles da marca para uma rápida espiada no processo de criação das suas coleções. A aplicação prática deste tipo de inovação no mundo da moda não tem limites.

Outro exemplo é a tecnologia do Virtual and Augmented Reality (realidade virtual e realidade aumentada), que promete viabilizar a fusão da moda com o consumo e o entretenimento, possibilitando não apenas a concomitância de desfiles presenciais e virtuais, como também a democratização e globalização dos eventos (alcançando públicos antes impensáveis) e a implementação do chamado ‘see now, buy now’ (parceria entre as Fashion Weeks e os e-commerces, que possibilita a aquisição das coleções enquanto elas ainda estão nas passarelas).

Ao alcance dos nossos olhos, podemos citar além do óculos 3D da Dior (que por seu de design sofisticado e minimalista já se tornou um item de desejo para colecionadores de luxo), outras novidades trazidas por gigantes da tecnologia, que já disponibilizaram no mercado os seus óculos de realidade virtual (Gear VR da Samsung e Google Cardboard).  Isso sem nos olvidar das startups do Vale do Silício, que já trabalham no desenvolvimento de lentes de contato de realidade aumentada (Mojo Lens[10]).

Não apenas nos equipamentos, empresas apostam também no aprimoramento dos conteúdos digitais. Seguindo iniciativas, por exemplo, do que a North Face fez ao investir na produção de cenas de expedições que permitem que os seus clientes testem produtos e experiências[11], marcas de luxo certamente já estão mirando na direção de tecnologias que permitirão que os seus clientes se utilizem das realidades virtual e aumentada para não apenas conhecerem o making of das produções e testarem roupas, acessórios, joias, cores e maquiagens, como também serem protagonistas de experiências inesquecíveis que só o mundo digital é capaz de nos proporcionar.

Acompanhar a evolução dos negócios, das cadeias de produção e fornecimento, das estratégias de venda, das relações comerciais e entender a forma como a tecnologia está revolucionando tudo isso transformaram-se no maior desafio hoje enfrentado pelos profissionais atuantes no mundo jurídico. Nas áreas fiscal e tributária, infindáveis discussões sobre a caracterização jurídica a ser atribuída a essas novas relações e a identificação dos tributos aplicáveis a cada caso já têm tirado o sono de muitos. Como exemplos e sem qualquer pretensão de esgotar ou concluir sobre o tema, podemos citar algumas das problemáticas enfrentadas:

  • Nos licenciamentos de software, obscuridades quanto à classificação jurídica a ser dada ao uso de programas de computador causam inseguranças aos contribuintes e abrem espaços para as autoridades fiscais criarem as suas próprias teses e interpretações. Criatividade deveria ser, na verdade, uma atividade reservada aos estilistas, designers e inovadores digitais e não ao Fisco. Na prática, dúvidas surgem se o licenciamento do direito de usar um software deve ser interpretado como uma venda de mercadoria (software de prateleira), uma prestação de serviço (desenvolvimento de software tailor-made) ou uma concessão de uso de um direito (royalty, direito de comercialização e distribuição de licenças). Implicações das mais variadas formas surgem dessa falta de clareza, nas searas do ICMS, IPI, ISS, IRRF, IRPJ, CSLL, PIS, COFINS e CIDE. Em fevereiro de 2021, o STF esclareceu que, no seu entender, o licenciamento de software deve se submeter à incidência do ISS (e não do ICMS)[12]. Uma grande vitória para os contribuintes e uma grande derrota para os Estados, mas, inúmeras controvérsias envolvendo outros temas, como as remessas ao exterior e os licenciamentos realizados sob a modalidade de software as a service (SaaS)[13], ainda prometem muitas discussões;
  • Na inteligência das coisas ou IoT (Internet of Things), inovações misturam conceitos em um único produto. Uma roupa conectada, dotada de uma bateria, sensores, um chip, um modem e uma antena, que a permita se comunicar, via internet, com outros devices (computadores, tablets, smart watches, celulares) e prestar serviços e oferecer utilidades ao seu proprietário (controlar temperatura e temperamentos, corrigir posturas de yoga, acessar o spotify, monitorar batimentos cardíacos etc.) deve ser tratada como um produto (cuja venda se submete ao ICMS e IPI), um serviço (cuja prestação pode ou não estar sujeita ao ISS) ou ambos (e, aqui, como evitar a dupla tributação)? E, na qualidade de prestador, os serviços realizados devem ser enquadrados entre os serviços elencados na lista do ISS, como “SVA – Serviços de Valor Adicionado” (que, não raramente, estão fora do âmbito do imposto municipal) ou como serviços de comunicação (sujeitos ao ICMS-C)? Dentre as possíveis interpretações, seria razoável separar as atividades para tratá-las num primeiro momento como uma venda de um produto e, num instante subsequente, como uma prestação de serviços? Se positivo, como tributar os vários serviços envolvidos? Quebrando-os em pedaços (serviços listados, não listados e serviços de comunicação) para uma tributação segregada ou considerando-os conforme a relevância destes distintos elementos (tributação sobre o elemento preponderante, cuja relevância seria apurada com base nos percentuais dos custos envolvidos)?;
  • No marketing de influência, discussões surgem quanto ao tratamento fiscal aplicável aos benefícios e aos chamados ‘recebidos’ (produtos e serviços enviados pelas marcas aos influenciadores, sem exigência de uma contrapartida) pagos ou entregues aos digital influencers. Com exceção dos casos em que influenciadores recebem dinheiro em contrapartida aos seus serviços de marketing de influência (hipótese que configura uma prestação de serviço tributável), dúvidas surgem quanto ao tratamento dispensável aos jantares oferecidos por restaurantes, aos presentes enviados pelas empresas em troca de um esperado post no Instagram, aos convites para que as celebridades participem de viagens, eventos e festas e à concessão temporária aos influenciadores do uso de um carro. Devemos tratar tudo isso como um rendimento auferido ou uma doação? Tributável ou não tributável? As conclusões mudam se o influenciador for um ser humano ou um avatar digital? Quem aufere o rendimento? Como quantificá-lo? No âmbito internacional, benefícios recebidos pelos influenciadores (que podem chegar a montantes anuais milionários) já começaram a ser regulados e tributados. Enquanto Singapura colocou no alvo do Fisco não apenas os rendimentos auferidos pelos influencers, mas também os ‘recebidos’ ofertados pelas marcas a seus amigos e familiares; Austrália optou por atacar estruturas societárias montadas por influencers em busca de uma menor tributação. No Brasil, a atividade ainda não foi regulada e a tributação mantém-se ativa com base nas regras já existentes. Adaptações certamente serão necessárias e questões deverão em breve chegar aos tribunais;
  • Nas plataformas de consumo online e canais e-commerce e marketplace, desafios originam-se das constantes transformações nas cadeias de distribuição e fornecimento, causadas por reiteradas remodelações de negócios que na pandemia foram intensificadas, causando a criação de um emaranhado de novas relações comerciais. Plataformas digitais, que antes atuavam como compradores e revendedores de mercadorias (sujeitos ao ICMS), reposicionaram os seus negócios e passaram a se comportar como meros intermediários (sujeitos ao ISS), apenas aproximando as marcas dos seus consumidores finais. E as suas estruturas de logística e armazenagem passaram a ser compartilhadas com empresas de menor porte. Um custo que antes formava o preço de um produto revendido passou, então, a ser uma fonte direta de renda (aluguéis ou prestação de serviços de logística e armazenagem). Esta remodelação, que integrou e encurtou o supply chain, e que nos últimos tempos foi acompanhada de uma repentina e abrangente digitalização do comércio, acabou por forçar a imersão das marcas no fenômeno do omnichanel: ‘necessidade das empresas se adaptarem às novas exigências e expectativas dos consumidores, que demandam atendimentos (simultâneos) por todos os canais disponíveis: online, offline e online-offline’. Permitir aos consumidores que eles pesquisem na internet, adquiram no e-commerce, realizem trocas ou devoluções nos PDVs (pontos físicos de vendas) pressupõe investimentos em sistemas (TI), parcerias com plataformas digitais e meios de pagamento, marketing em vários meios de comunicação, eficientes controles de estoques (o que requer, inclusive, uma integração dos estoques de lojas franqueadas que, a rigor, pertencem a diferentes empreendedores), uma reapuração dos preços dos produtos ofertados (que devem ser uniformes em todos os canais de venda) e, por fim, uma maior colaboração da lei. Como sabemos, a circulação de mercadorias é tributada pelo ICMS e uma imensa burocracia, envolvendo notas fiscais, conhecimentos de transportes, obrigações acessórias e até mesmo o pagamento do imposto sobre meras transferências de produtos de um lugar a outro, mostra-se como o grande obstáculo à implementação de uma estrutura logística que, em virtude das novas exigências do mercado, passa a ter que antever e se adaptar às escolhas de consumo, agora, aleatórias e menos previsíveis dos consumidores finais. Projetos de lei e novas regras fiscais buscando a simplificação da burocracia e o reconhecimento das novas relações comerciais estão na mesa dos legisladores, em uma luta, lenta, de flexibilização e modernização legal;
  • Nas impressões 3D, os problemas jurídicos nascem de um outro tipo de remodelação de negócios, agora, provocada nas cadeias de produção. Ainda sob um ar futurista, já começamos a perceber, espantados, o que a impressão 3D é e será capaz de fazer. Desde a impressão de roupas e acessórios até a impressão de órgãos humanos e alimentos, a impressão digital veio para ficar. Ficar, inclusive, fora dos estabelecimentos fabris e dentro das casas dos seus consumidores finais. Esta nova forma de produzir coisas exigirá de nós, cada vez mais, um maior abandono de velhos conceitos do que costumávamos chamar de manufatura, industrialização, insumos, circulação de mercadorias. Sob a realidade digital, consumidores passam a atuar como fabricantes (impressores digitais), fábricas passam a vender serviços (de design e desenvolvimento de modelos de roupas e acessórios virtuais), desembaraços aduaneiros passam a dar lugar à importação de insumos digitais. Como tributar o novo, com regras ultrapassadas? Sem ferramentas úteis, aplicadores do Direito (incluindo doutrina e jurisprudência) têm inovado, para acomodar estas novas situações. E polêmicas começam a surgir: podemos tratar as impressões 3D como tratávamos as impressões 2D (composições gráficas) e tributá-las conforme a sua finalidade? O que o cliente quer? A impressão gráfica em si? Ou quer utilizá-la como um insumo (bula ou embalagem) para compor um produto final (remédio)? Podem as impressões 3D ser incluídas no item “13.05 – composição gráfica, exceto se destinados a posterior operação de comercialização ou industrialização” da Lei Complementar nº 116/2003? Se listadas, tais atividades se sujeitam ao ISS, caso contrário, ao ICMS? Pode a tributação variar a depender de quem opera a impressora 3D (oficina com mais ou menos operários, que consome mais ou menos kW) e dos custos envolvidos (tributação pelo ISS se os custos do elemento ‘trabalho intelectual’ forem preponderantes, tal como definido na Solução de Consulta COSIT n° 97/2019)? E a compra dos arquivos digitais (modelos virtuais das roupas e acessórios)? A ‘confecção’ desses modelos devem ser classificados como uma prestação de serviço de design? Ou como um arquivo digital com vocação para ser impresso? Se a sua utilidade somente puder se concretizar após a sua impressão, poderá a sua venda ser qualificada como ‘venda de um produto’, sujeitando-se ao ICMS e IPI?

Como vemos, a união da moda com a tecnologia não poderia ter nos trazido um filho mais rebelde. Um ser encantador pela sua dinâmica e seu senso de criatividade, mas que carrega em si uma grande complexidade, que exige de nós uma capacidade investigativa e habilidades de compreensão para que possamos entender todas as inovações advindas do seu constante crescimento, além de habilidades adicionais que nos permitam aplicar um conjunto de regras existentes às realidades dessa nova geração. Como bom pai e mãe, sabemos que filhos não vêm com manuais de instrução e, nesta medida, perguntar a outros pais como eles estão resolvendo os seus problemas domésticos têm nos parecido algo salutar, de forma que cada vez mais precisaremos não apenas de uma maior flexibilização das regras e de um maior bom senso dos julgamentos, mas também de constantes estudos de Direito Comparado que possam nos dar diretrizes para a implementação da melhor regulamentação a ser aplicada às novas realidades que estão por vir. Assim como as inovações nos chegam a cada instante, soluções jurídicas deverão ser construídas também no conta-gotas.

Por: Erika Tukiama

Advogada tributarista com foco em estruturação de negócios e transações digitais e internacionais. Especialista em Direito Tributário, pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Professora dos cursos de pós-graduação nos módulos de Negociação de Tratados Internacionais do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e de Fashion Law da Faculdade Santa Marcelina (FASM). Membro do Grupo de Pesquisas de Tributação e Novas Tecnologias da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Diretora e membro do Comitê Fiscal da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABCOMM).


[1] “Shudu is the world’s first digital ­supermodel. […] She’s been in magazines, fronted high-fashion campaigns, and garnered 159,000 Instagram followers and counting. […] The avatar was inspired by the Princess of South Africa Barbie doll – Wilson’s favourite growing up – as well as supermodels Alek Wek, Naomi Campbell and Iman.” (PRIDEAUX, Sophie. Fashion’s digital future: how 3D models and virtual clothes will soon become the norm. Disponível em: https://www.thenationalnews.com/lifestyle/fashion/fashion-s-digital-future-how-3d-models-and-virtual-clothes-will-soon-become-the-norm-1.836926. Acesso em: 24.jan.2021)

[2] SALAUDEEN, Aisha. Fashion designer showcases the future of the runway with 3D models. https://edition.cnn.com/2020/05/25/africa/3d-model-congo-fashion/index.html. Acesso em: 24.jsn.2021.

[3] REDAÇÃO DIVAHOLIC. As super modelos digitais levam a moda para um novo patamar. Disponível: https://www.divaholic.com.br/tecnologia/modelos-digitais-levam-moda-um-novo-incrivel-nivel/. Acesso em: 31.jan.2021.

[4] COY, Alice. Serão os desfiles 3D o futuro das apresentações virtuais? Disponível em: https://vogue.globo.com/moda/noticia/2020/08/serao-os-desfiles-3d-o-futuro-das-apresentacoes-virtuais.html. Acesso em: 24.jan.2021.

[5] TESO, Alie. All you need to know about Milan Phygital Fashion Week. https://lofficielbaltics.com/en/fashion-week/all-you-need-to-know-about-milan-phygital-fashion-week. Acesso em: 24.jan.2021.

[6] KRIEGER, Jessica. Semanas de Moda Digitais: 5 desfiles virtuais que deram o que falar. Disponível em: https://www.fashionbubbles.com/estilo/noticias-estilo/semanas-de-moda-digitais-5-desfiles-virtuais-que-deram-o-que-falar/. Acesso em 31.jan.2021.

[7] KRIEGER, Jessica. Desfile virtual: Chanel apresenta Cruise Collection 2021 nas plataformas digitais. Disponível em: https://www.fashionbubbles.com/noticias/desfile-virtual-chanel/. Acesso em: 24.jan.2021.

[8] ESTEVÃO, Ilca Maria. Balmain: veja como foi o desfile no rio Sena que comemorou 75 anos da grife. Disponível em: https://www.metropoles.com/colunas-blogs/ilca-maria-estevao/balmain-veja-como-foi-o-desfile-no-rio-sena-que-comemorou-75-anos-da-grife. Acesso em: 24.jan.2021.

[9] HESS, Francieli. Realidade Virtual na moda: a tecnologia como destaque na NYFW. Disponível em: https://www.fashionbubbles.com/tecnologia/realidade-virtual-na-moda-a-tecnologia-como-destaque-na-nyfw/. Acesso em: 01/02/2021

[10] SULLIVAN, Mark. The making of Mojo, AR contact lenses that give your eyes superpowers. Disponível em: https://www.fastcompany.com/90441928/the-making-of-mojo-ar-contact-lenses-that-give-your-eyes-superpowers. Acesso em 24.jan.2021.

[11] RAHIM, ELLFIAN. Keeping It Real With Virtual And Augmented Reality. Disponível em: https://thepeak.com.my/style/keeping-it-real-in-virtual-reality/. Acesso em: 01.fev.2021.

[12] STF, ADIs 1.945 (relatoria Ministra Cármen Lúcia) e 5.659 (relator Ministro Dias Toffoli), Tribunal Pleno, j. 24.02.2021.

[13] Modalidade contratual pela qual o usuário tem acesso ao uso de um software (de prateleira ou não) na nuvem (internet). Sob um arranjo de SaaS, o software não precisa ser baixado (download) no computador (ou outro device) do usuário, tampouco precisa este se preocupar com esquemas de firewall e atualização de programas. Armazenamento de dados na nuvem e suporte técnico são igualmente oferecidos nos pacotes contratados. Trata-se como visto de um contrato formado por inúmeras relações jurídicas que, no âmbito tributário, podem trazer diferentes consequências impositivas. 

Fashion Law ou Direito da Moda: a valorização da língua nacional na aplicação dos institutos jurídicos

A língua portuguesa tem sua origem dividida em cinco períodos: pré-românico, românico, galego-português, português arcaico e português moderno. Contudo, pode-se dizer que o idioma, hoje falado, guarda conexão com o período pré-românico, em sua versão conhecida pelo latim, vez que era utilizado pelos primitivos habitantes de Roma. A unificação de Portugal, ocorrida no século XIII, é considerada o marco teórico de definição do idioma e, consequentemente, a responsável pela Língua Portuguesa a ser adotada no Brasil.[1]

Sabe-se que, no Brasil, a variação linguística apresenta vasta diversidade, tanto que pesquisadores do ramo da linguística chamada de dialetologia afirmam a existência de 6 (seis) grupos de dialetos, os quais podem ser subdivididos conforme o critério regional brasileiro. Dentre os exemplos, apresentam-se os dialetos nordestino, amazônico, sulista e sudestino.[2]

Oportuno salientar que o português está na lista dos 10 (dez) idiomas mais falados do mundo, vez que aproximadamente 230 (duzentos e trinta) milhões de pessoas o adotaram em 4 (quatro) diferentes continentes. Nesse contexto, em 1986, a União Europeia o consagrou como uma das suas línguas oficiais, razão pela qual, em 1996, surgiu a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), que tem por escopo principal a difusão e valorização do idioma. Em perspectiva semelhante, o novo acordo ortográfico, que até meados de 2019, ainda estava em processo de implementação, também busca a expansão do idioma, sobretudo com o objetivo de unificar a gramática dos países lusófonos.

Portanto, entende-se que todos os esforços viabilizam a valorização da Língua Portuguesa, fato que se mantém como imperativo de garantia do desenvolvimento econômico e social dos países lusófonos.

É relevante o fortalecimento da imagem de nação, a partir do despertar da unidade nacional, de modo que a expansão linguística desta gera reconhecimento e vitrinização mundial no processo de globalização mercantilista e reafirma a soberania desses atores internacionais.

Em exemplificação, a língua inglesa é considerada hoje universal, e, em virtude dessa notoriedade, a própria identidade linguística dos países que a utilizam exsurge como potência econômica, cultural e política e dentre outros, embora outros fatores possam ser considerados como relevantes na expansão do capital social e econômico de um país, como o patriotismo.

Nesse contexto, o Brasil carece de patriotismo, muito pela inexistência de aproximação cultural e histórica da sociedade e, principalmente, porque a “noção propagada de nacionalismo está relacionada ao ideal de um patrimônio herdado”[3] em razão do processo de Colonização ocorrido. Por isso, o povo brasileiro tem dificuldade em se reconhecer como nação, fator que leva ao favorecimento das culturas estrangeiras e à deferência aos produtos importados.

Ainda, observa-se certa resistência à ideia de formação de uma identidade nacional em virtude da “utilização propagandista das temáticas do patriotismo e do nacionalismo pela ditadura militar no Brasil”[4] que usurpou institutos tão importantes para o descrédito de tais noções. Esses obstáculos compõem um traço comportamental histórico o qual necessita ser rompido.

Afinal, desde o Brasil Colônia, evidenciou-se um processo de “bestialização” do povo, quanto ao processo político-civilizatório do país, que assistiu, de forma apática, à independência e à proclamação da República.

Nessa perspectiva, a figura de um patriotismo usurpado exsurge e, consequentemente, ainda contribui com a falta de identidade nacional. Por isso compreende-se a falta de respeito à Constituição, inclusive por parte dos representantes, vez que é essencial para uma sociedade ter sua identidade pautada na sua tradição histórica, para que haja “lealdade constitucional, que não pode ser imposta juridicamente, enraizada nas motivações e convicções dos cidadãos, só pode ser esperada se eles entenderem o Estado Constitucional como uma realização de sua própria história.”[5]

Em corroboração a essa conclusão, exemplifica-se o fato de que ”os EUA e a Suíça são duas sociedades que conseguiram um admirável grau de estabilidade”, oriunda de articulação política alicerçada, na lealdade constitucional, características que permitiram a solidificação das garantias constitucionais, além da posse sobre o processo histórico, cultural e linguístico do povo.

À vista disso, faz-se necessário o despertar do povo brasileiro para as questões nacionais, pois ‘o Brasil torna-se inglês em assunto de governo, continuando, porém, a ser o mesmo em religião, ciência, indústria, comércio e os demais pontos de relação da vida social”. Afinal, há uma “diferença nas trajetórias históricas entre os povos”[6], vez que cada nação necessita ter consciência histórica e cultural do seu povo, para que não se limite a utilizar símbolos culturais estrangeiros como bússola em desconsideração à própria realidade nacional.

Porquanto, o intuito deste artigo é demonstrar a necessidade de valorização da Língua Portuguesa, quando da aplicação dos institutos jurídicos do ordenamento pátrio, para que haja contribuição de sedimentação identitária do vocábulo como um dos principais instrumentos de representatividade cultural fortificada. Uma vez respeitada e solidificada a identidade nacional, por meio da expressão linguística, maior será o capital social, político e econômico do Brasil.

Nesse sentido, deve-se desestimular a incorporação de estrangeirismos ao vocábulo jurídico pátrio, por exemplo,“visual law”, “fashion law” e outros do gênero. Muito mais interessante que tais institutos sejam expressos em Português, sobretudo, por “restar o idioma português como objeto constitucional no Brasil”[7], conforme previsto no Art. 13 da CFRB de 1988, que aduz: “a Língua Portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil.”

Precipuamente, é de se considerar a necessidade de fortalecer os símbolos nacionais, para que a brasilidade se propague nas vitrines de mercado internacional. Em paralelo ao Direito da Moda, é imprescindível a propagação dos símbolos nacionais, vez que, no âmbito interno, a maior parte dos atores da Indústria da Moda é composta por pessoas não bilíngues, razão pela qual a preferência por termos norte-americanizados gera distanciamento e edifica barreiras na comunicação entre os especialistas e os empresários, além do próprio mercado consumidor.

Nessa perspectiva, convém destacar “o levantamento feito pela British Council o qual mostrou que apenas 5% (cinco por cento) da população brasileira sabe se comunicar em inglês, ou seja, 10.425 (dez milhões e quatrocentos e vinte e cinco mil pessoas)  dos mais de 208 milhões de habitantes”.[8] Ressalte-se que tais indivíduos influentes estão inseridos em nichos universitários, o que justifica a necessidade de profissionais do Direito, inclusive da nova era tecnológica, de tornarem acessível os processos adquiridos por meio da globalização. Para tanto, é essencial compreender a realidade cultural brasileira, sobretudo, no setor mercadológico, pois não se pode querer transformar o cenário a partir do topo da pirâmide, mas, na base.

No plano internacional,“ é bem verdade que é muito mais difundida a terminologia Fashion Law, assim como é mais atrativo, por se tratar de um objeto internacional e universal como a Moda.”7 Entretanto, a incorporação do estudo do Direito da Moda, no vernáculo, atrai para o mercado uma visão mais nacionalista do setor e solidifica a unidade nacional que, embora pareça contraditório, comprovadamente agrada muito mais o mercado internacional, basta analisar que, apesar do Direito da Moda ter se tornado uma “tendência de estudo mundial, todavia, cada país utiliza-se da terminologia de sua língua pátria, por exemplo, na Espanha: Derecho y Moda; na Itália: Legge dela Moda; na França, Droite de La mode”. “8

       A problematização da questão do emprego de estrangeirismos no cotidiano jurídico nacional, após art. 13 da Constituição Federal, como já foi supra citado, vem no próprio Código de Ética e Disciplina da OAB[9], em seu dispositivo 29 (dentro do título de publicidade na advocacia), onde em seu inciso 6º diz:

     §6º O anúncio, no Brasil, deve adotar o idioma português, e, quando em idioma estrangeiro, deve estar acompanhado da respectiva tradução.

      Assim pode-se compreender que se há a utilização de termos estrangeiros, é obrigatório a respectiva tradução para a língua nacional. Termos como Fashion Law, já tratado anteriormente neste artigo, Tax Law, Visual Law, entre outros, estão cada vez mais comuns de serem observados, principalmente nas redes sociais.

        A fixação atual entre os advogados é o Visual Law, também conhecido como Legal Design, com o foco tornar comunicação jurídica mais acessível para o público final. Ora, se a resultante é a acessibilidade principalmente para o cliente, utilizar estrangeirismos é uma forma de criar uma lacuna entre o profissional e o propenso cliente brasileiro.

         O direito precisa ser compreensível para promover o acesso à justiça, isso é, não apenas para aquele advogado, mas para todas as figuras representadas na relação jurídica, tais como: cliente, advogados, judiciário, etc. A língua portuguesa já é complexa o bastante para o emprego de tantas palavras importadas de outras culturas, tendo em vista que existem mais de 5.000 verbos.

         Caso completamente diferente dos demais já abordados, de quando  se é necessário o emprego de línguas estrangeiras no cotidiano processual, tais como documentos originários de línguas diversas ao português, mas ora neste trabalho trata-se de provas para o desenvolvimento do processo. Essa tradução é realizada por um tradutor juramentado e somente realizada assim é reconhecida oficialmente por instituições e órgãos públicos diversos no Brasil e tem validade como documento oficial ou legal.

Portanto, se perfaz urgente a valorização da Língua Portuguesa na incorporação dos institutos jurídicos ao ordenamento pátrio.

REFERÊNCIAS

ALVES, Dayane Nayara. Impactos Econômicos e Sociais da Pirataria na Indústria da Moda. Lumén Juris: Rio de Janeiro, 2021.

BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico. Loyola: São Paulo, 1999.

BARRETO, Tobias. A Questão do Poder Moderador e outros ensaios brasileiros. Petrópolis: vozes; Brasília, 1977.

CAVALCANTI, Antônio Cavalcanti. Diversidade cultural, identidade nacional brasileira e patriotismo Constitucional. Disponível em: http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/palestras/Diversidade_Cultural/FCRB_ DiversidadeCulturalBrasileira_AntonioCavalcanti.pdf . Acesso em: 28.mai 2021.

COLAÇO, Hian Silva. Separação de Poderes na Constituição Imperial: a questão do Poder Moderador como epicentro dos dilemas do pensamento constitucional. In: Mont´Averne, Martônio(org). Temas de Direito Constitucional Brasileiro. Lumen Juris; Rio de Janeiro, 2016.

DIANA, Daniela. História da Língua Portuguesa. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/historia-da-lingua-portuguesa/. Acesso em: 26. mai 2021

HABERMAS, Jürgen. Communication and the Evolution of Society. Boston: Beacon Press, 1979.

COELHO, Lilian. Visual Law: o que é e como pode transformar a sua advocacia. Disponível em:

https://www.aurum.com.br/blog/visual-law/#:~:text=Visual%20Law%20%C3%A9%20uma%20solu%C3%A7%C3%A3o,points%2C%20%C3%ADcones%2C%20entre%20outros. Acesso em: 26.mai 2021.

BRASIL. Código de Ética e Disciplina. Disponível em: https://www.oab.org.br/content/pdf/legislacaooab/codigodeetica.pdf.

Por:

Dayane Nayara Alves – Mestra em Direito Econômico e Desenvolvimento pela UCAM-RJ. Especialista em Direito Fiscal pela PUC-RJ. Especialista em Fashion Law pela FASM-SP. Extensão em Fashion Law pela UERJ.

Isabella Pari Bortoloti – Advogada especialista em Direito Processual Civil e Empresarial. Pós-graduanda em Direito do Consumidor. Cursos de Extensão em: Fashion Law: Modelos de Negócio e Proteção de Propriedade Intelectual pela FAAP, Lei Geral de Proteção de Dados, Propriedade Industrial e Práticas Modernas no Direito do Consumidor pelo Damásio Educacional.

Presidente da Comissão de Estudos em Direito da Moda Da 38ª Subseção de Santo André – OAB/SP.


[1] BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico. Loyola: São Paulo, 1999.

[2] https://www.todamateria.com.br/historia-da-lingua-portuguesa/.

[3] HABERMAS, Jürgen. Communication and the Evolution of Society. Boston: Beacon Press, 1979.

[4] http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/palestras/Diversidade_Cultural/FCRB_ DiversidadeCulturalBrasileira_AntonioCavalcanti.pdf

[5] BARRETO, Tobias. A Questão do Poder Moderador e outros ensaios brasileiros. Petrópolis: vozes; Brasília, 1977.

[6] COLAÇO, Hian Silva. Separação de Poderes na Constituição Imperial: a questão do Poder Moderador como epicentro dos dilemas do pensamento constitucional. In: Mont´Averne, Martônio(org). Temas de Direito Constitucional Brasileiro. Lumen Juris; Rio de Janeiro, 2016.

[7] ALVES, Dayane Nayara. Impactos Econômicos e Sociais da Pirataria na Indústria da Moda. Lumén Juris: Rio de Janeiro, 2021.

[8] ALVES, Dayane Nayara. Impactos Econômicos e Sociais da Pirataria na Indústria da Moda. Lumén Juris: Rio de Janeiro, 2021.

[9] https://www.oab.org.br/content/pdf/legislacaooab/codigodeetica.pdf.

A Movimentação do Varejo de Moda em Abril de 2021 – Aspectos Jurídicos e Econômicos

 O Grupo Soma, em outubro de 2020, provocou uma grande discussão ao anunciar a compra da marca ByNV da digital influencer Nati Vozza. Nessa última semana de abril de 2021, voltou aos holofotes dos cadernos de economia quando foi anunciada a “soma” do Grupo Hering ao grupo.

 Na semana passada, a manchete foi que o Grupo Hering havia recusado a oferta do Grupo Arezzo ,(foi falado dele no artigo de outubro de 2020, quando anunciaram a compra do Grupo Reserva https://digitalrights.cc/fle/2020/11/23/compra-de-marcas-brasileiras-por-grandes-grupos-aspectos-economicos-juridicos-e-de-mercado/) oferta essa que girou em torno de R$ 3,3 bilhões, valor 14,3% acima do atual preço de mercado. Tal oferta foi recusada com grande plateia, fazendo com que o Grupo Arezzo não disponibilizasse nova oferta.

 Com isso, as especulações cresceram em torno da marca dos peixinhos, até boatos que a Alpargatas (dona da Havainas, Osklen e Dupé) a teria como alvo. Até que em 26 de abril foi anunciado que o Grupo Soma teria feito uma oferta que a Hering aceitou:

O negócio prevê o pagamento de R$ 9,63 em dinheiro por ação da Hering (HGTX3), o equivalente a R$ 1,6 bilhão. O restante será pago com ações da própria Soma (SOMA3), em uma relação de 1,625107 para cada papel da Hering.[1]

 Para se blindar de qualquer oferta feita após o grande anúncio, o Grupo Soma, estabeleceu um compromisso de exclusividade com a companhia a alguns acionistas da Hering, além de uma multa de R$ 250 milhões no caso de descumprimento do acordo de associação e assim ter um caminho mais claro para se tornar a house of brands brasileira, posto esse que desde o ano passado é almejado pelo Grupo Arezzo.

“A Hering e o Grupo SOMA avaliam que a Operação será transformacional no que tange a consolidação de uma plataforma de marcas no varejo de moda, ampliando o seu mercado endereçável total, conectando diferentes audiências e abrindo um novo espaço e avenida de crescimento dado o portfólio altamente complementar.”[2]

 Dentro do portifólio do Grupo Soma, grande parte das marcas ali são consideradas de médio para luxo no mercado. Dona da Farm, Animale, byNV, entre outras, marcas que um item facilmente pode ser adquirido em torno de 3 dígitos ao consumidor final. A Hering vem para diversificar um pouco o grupo, uma marca mais popular, que os itens giram em torno de 2 dígitos.  Em suas redes sociais, já afirmam que é o maior negócio de moda já realizado no país.

 A fusão marca uma renovação do mercado de capitais brasileiros, retirando da Bolsa uma companhia de 140 anos – cuja fundação precede a própria República e que atravessou todos os altos e baixos do País – e aumentando o protagonismo do SOMA, que fez seu IPO há menos de um ano e agora se consolida como um grupo do luxo ao básico.[3]

 Após esse acordo realizado entre os dois grupos, uma grande pressão gira em torno de dois outros grandes grupos varejistas da moda no Brasil: Renner e C&A. Já existe uma especulação no Grupo Renner em se tornar a nova Magalu na área da moda, desde semana passada surgiram notícias rondando de que a maior intenção do grupo agora é adquirir a Dafiti (avaliada em 10 milhões) e algo mais ousado: adquirir a C&A (concorrente direta das lojas Renner). A compra da C&A não é tão quista entres os especialistas, sendo que, como atuam diretamente no mesmo ramo de fast fashion e praticamente com o mesmo público-alvo, seria extremamente complicado uma aprovação definitiva do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). A lei nº.:12.529/2011, em seu artigo 90, trata sobre o ato de concentração econômica, que consiste quando duas empresas, anteriormente independentes, se fundem, da mesma forma, a alternativa de ser uma ou mais empresas adquirem, direta ou indiretamente, por compra ou permuta de ações, quotas, títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, ou ativos, tangíveis ou intangíveis, por via contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o controle ou partes de uma ou outras empresas, como também, uma ou mais empresas incorporam outra ou outras empresas, ou, por fim, duas ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture.

 O CADE, tem por principal função, no papel de autarquia, analisar os aspectos concorrenciais de atos de concentração cuja notificação é obrigatória.  Logo, o cenário do mercado da moda apresentado acima, visivelmente, se a compra da C&A se concretizar pela Renner, por uma análise sobre concentração econômica, para que assim se possa conservar a preservação da afluência, como outras formalidades, bem como a diversidade e qualidade de produtos e serviços prestados ao consumidor.

Referências:

  • https://www.seudinheiro.com/2021/empresas/hering-fusao-arezzo-acoes-significado/ – acesso em 27.04.2021 às 13h34.
  • https://www.seudinheiro.com/2021/empresas/soma-hering-fusao-26-04/ – acesso em 27.04.2021 às 13h34.
  • https://www.moneytimes.com.br/arezzo-hering-renner-e-ca-vai-acontecer-uma-consolidacao-no-mercado-da-moda-no-brasil/ acesso em 27.04.2021 às 14h34.
  • https://www.ecommercebrasil.com.br/noticias/renner-mira-compra-da-dafiti/ acesso em 27.04.2021 às 13h20.
  • https://www.infomoney.com.br/mercados/dafiti-e-alvo-claro-da-renner-diz-jornal-analistas-avaliam-que-opcao-e-melhor-do-que-marisa-hering-ou-ca/ – acesso em 27.04.2021 às 13h15.
  • https://braziljournal.com/soma-avalia-hering-em-r-51-bi-em-fusao-do-luxo-ao-basico acesso em 27.04.2021 às 13h15.
  • http://www.cade.gov.br/servicos/perguntas-frequentes/perguntas-sobre-atos-de-concentracao-economica – acesso em 27.04.2021 às 10h45.
  • http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12529.htm – acesso em 27.04.2021 às 10h54.

Por: Isabella Pari Bortoloti

Advogada especialista em Direito Processual Civil e Empresarial e pós-graduanda em Direito do Consumidor.
Curso de Extensão em Propriedade Industrial pelo Damásio Educacional, Curso de Extensão em Fashion Law e Empreendedorismo na Moda pela Escola de Moda Denise Aguiar,
Curso de Direito da Beleza pelo Escritório Andreotti Chiavegatti & Toschi Advogados, Fashion Law: Modelos de Negócio e Proteção de Propriedade Intelectual pela FAAP, Cursos de Extensão em: Lei Geral de Proteção de Dados e Práticas Modernas no Direito do Consumidor pelo Damásio Educacional.
Presidente da Comissão de Estudos em Direito da Moda Da 38ª Subseção de Santo André – OAB/SP.


[1] Dados extraídos de: https://www.seudinheiro.com/2021/empresas/soma-hering-fusao-26-04/ – acesso em 27.04.21 às 13h29.

[2] Dados extraídos de:https://www.seudinheiro.com/2021/empresas/soma-hering-fusao-26-04/ – acesso em 27.04.21 às 13h34.

[3] Dados extraídos de: https://braziljournal.com/soma-avalia-hering-em-r-51-bi-em-fusao-do-luxo-ao-basico – acesso em 27.04.21 às 13h40

Relações de Consumo na Era Digital

              

                                                                            Isabella Pari Bortoloti[1]

 No dia 15 de março é comemorado o dia do consumidor, é uma data importante para chamar a atenção para a  necessidade de se preservar e proteger os direitos consumeristas.

 A data de 15 de março é considerada o dia dos direitos do consumidor há pelo menos cinco décadas. O embrião do que hoje é o Dia do Consumidor foi um discurso do presidente americano John Kennedy, há exatos 59 anos, exaltando as virtudes de uma relação justa entre empresas e seus consumidores.[2]

 Em 1990, entrou em vigor a lei nº.: 8.078, mais conhecida como Código de Defesa do Consumidor, legislação essa, pioneira no país. A partir daí, estados e municípios tiveram amparo legal para criar órgãos dedicados às reclamações de consumidores – os famosos Procons atualmente espalhados pelas principais cidades do país, sendo eles os os primeiros instrumentos em que o consumidor procura reclamar sobre questões desta relação.

 Decorrente dos últimos acontecimentos mundiais, tais como a pandemia por conta do COVID19, o comportamento do consumidor foi transformado. Independente do mercado, produto ou serviço oferecido, os fornecedores precisam ter em mente que a internet e a transformação digital afetam seu público diretamente. Com a internet o público passa a ter rápido acesso à informação e as relações entre clientes e marcas se tornam mais democráticas, prezando assim pela liberdade de escolha e por isso analisa as marcas, valoriza a seriedade das empresas e seu comprometimento com causas, encara a velocidade das mudanças como algo natural e acredita na novidade como parte da vida.

 Além das características apresentadas acima, na internet as vendas não estão mais sujeitas a limitação geográfica, isso é, o consumidor sem sair de sua própria casa pode comprar de qualquer lugar do Brasil, até mesmo do mundo, fazendo com que o mercado fique muito mais competitivos pelas empresas, tornando ainda mais imprescindível entender o perfil do consumidor, quais fatores e tendências o fazem realizar uma compra.

O WhatsApp – que hoje é o aplicativo mais usado no Brasil, e define muito do comportamento do consumidor atual – só surgiu em 2009, e se popularizou ainda mais recentemente.[3]

 Com notícias em tempo real e todas as redes sociais disponível a qualquer momento, faz com que o inclinado cliente se transforme com tanta facilidade, de um dia para o outro a tendência de consumo pode ser completamente modificada.

 Devido a tecnologia e a adaptação que os fornecedores necessitaram realizar por conta da impossibilidade da realização de compras de forma presencial, se pode reclamar, tirar dúvidas e até mesmo procurar o serviço ofertado por si próprios. Os serviços tendem a ser mais equiparados com a expectativa do consumidor, sendo assim, aumentando a qualidade e disponibilidade do serviço prestado.

 Isso é, a era digital é o foco do consumo na atualidade, fazendo com que os serviços de proteção aos consumidores também fossem completamente digitais, sendo assim, o site do Procon-SP possui a área do consumidor, ali, qualquer tipo de reclamação que poderia ser realizada em qualquer sede de forma presencial, também pode ser realizado de forma eletrônica. De qualquer maneira, sempre que perdurar alguma dúvida sobre as relações consumeristas, procure um advogado especializado na área.

Referências Bibliográficas

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm – acesso em: 15.03.2021 às 10h.

https://www.procon.ms.gov.br/procon-o-orgao-que-realiza-a-defesa-e-protecao-do-consumidor-no-brasil/ – acesso em 15.03.2021 às 10h20.

https://fluxo.to/blog/como-e-o-seu-cliente-na-era-digital/ acesso em 15.03.2021 às 10h24.

https://exame.com/marketing/dia-do-consumidor-10-varejistas-com-descontos-de-ate-80/ – acesso em 15.03.2021 às 10h05.

https://linkingsites.com.br/blog/comportamento-do-consumidor-na-era-digital – acesso em 15.03.2021 às 10h15.


[1] Advogada especialista em Direito Processual Civil e Direito Empresarial.
Curso de Extensão em Propriedade Industrial pelo Damásio Educacional, Curso de Extensão em Fashion Law e Empreendedorismo na Moda pela Escola de Moda Denise Aguiar,
Curso de Direito da Beleza pelo Escritório Andreotti Chiavegatti & Toschi Advogados, Fashion Law: Modelos de Negócio e Proteção de Propriedade Intelectual pela FAAP, Curso de Extensão em Lei Geral de Proteção de Dados pelo Damásio Educacional.
Presidente da Comissão de Estudos em Direito da Moda Da 38ª Subseção de Santo André – OAB/SP.
Coordenadora em Fashion Law e Entretenimento no site Digital Rights.

[2] Dados extraídos de: https://exame.com/marketing/dia-do-consumidor-10-varejistas-com-descontos-de-ate-80/ – em 15.03.2021 às 10h05.

[3] Dados extraídos de: https://fluxo.to/blog/como-e-o-seu-cliente-na-era-digital/ em 15.03.2021 às 10h24.

Black Friday: Da Moda ao Direito do Consumidor

A Black Friday é uma das datas mais populares nos Estados Unidos da América, tradicionalmente acontece na sexta feira após o Thanksgiving (Dia de Ação de Graças). Todos os consumidores têm um único objetivo: garimpar produtos com descontos que podem chegar a até 90% do preço original.[1] Em 1969, o emprego do termo Black Friday foi utilizado, no momento histórico em que dois especuladores, Jay Gould e James Fisk, tentaram tomar o mercado do ouro na Bolsa de Nova York, o governo foi obrigado a intervir para corrigir a distorção, elevando a oferta da matéria-prima ao mercado, os preços caíram e muitos investidores perderam grandes fortunas.[2]

 No Brasil, a Black Friday começou, despretensiosamente, dar seu ar da graça em 2010, principalmente no e-commerce e apenas algumas lojas aderindo. Na época atual, é uma data muito importante para o varejo, de acordo com um estudo de tendências do Google, o evento em 2019 teve um faturamento de R$ 3,2 bilhões.[3]

 O desejo de possuir, ser admirado pelos outros, funcionalidade e personalidade, são, em suma, não necessariamente nesta ordem, o que movem o consumidor e consequentemente o mundo da moda.

As mulheres associam a palavra moda com identidade, a apresentação do eu para o outro; bem como a palavra é ligada automaticamente ao seu objeto de uso mais popular, isto é, roupas e acessórios, e ao glamour. Moda para elas é sinônimo de glamour, ou seja, charme, encanto pessoal e magnetismo. (MIRANDA, p. 87)

 É comum as pessoas se manifestarem através do consumo, e assim, consequentemente, suas posses como prolongamento de seu perfil.

O retrato do consumidor é alguém muito mais bem informado sobre as ofertas e produtos, atualmente, que valoriza a experiência de compra e que se importa com o posicionamento tomado pelas empresas. Logo, quando os anúncios de Black Friday se iniciam, o consumidor inteirado, dificilmente cairá nos “golpes” muito comuns nessa época do ano, principalmente aquela frase famosa: “tudo pela metade do dobro”.

 Mas o conteúdo tratado neste artigo será exatamente sobre aquele consumidor desinformado e que acredita estar realizando uma ótima aquisição, mas o resultado é o mais puro paralogismo.

 Existem casos em que as lojas aumentam os preços nos meses anteriores para oferecerem, como oferta, o valor “normal”.[4] Situações como essas são comuns durante a última semana de novembro, levando aquele consumidor mencionado previamente ao erro. Como é sabido, o consumidor é a parte hipossuficiente da relação, nessa conjuntura, a relação fica ainda mais desequilibrada, resultando assim em práticas abusivas positivadas no capítulo V do Código de Defesa do Consumidor.

  Na Black Friday de 2019 foram registradas 59% a mais de reclamações em sites como o Reclame Aqui, o principal motivo das reclamações foi propaganda enganosa, que representou 28,3% do total. Problemas com a compra foi a segundo motivo das queixas, e representaram um total de 10,69%. Em terceiro lugar está o atraso na entrega, com 9,3%.[5]

 Condutas desse tipo são adversidades recorrentes nas edições do evento de “barganha” do ano, além do mais pela proximidade das festas de final de ano.  A fundação PROCON tem um papel fundamental nessa data, realizando monitoramento dos preços e esse ano, o PROCON do Rio de Janeiro está fornecendo uma cartilha de dicas para o consumidor não cair em golpes. Disponível nesse link: https://bit.ly/339yB6f.

 Já a orientação do PROCON de São Paulo é: recomenda que o consumidor já deve começar a pesquisar sobre o produto ou serviço de seu interesse – características, funções etc. – e, principalmente, verificar qual o preço que está sendo praticado hoje no mercado. O consumidor, pode inclusive fazer um print da tela com o preço ofertado pelo estabelecimento, deste modo, ele terá como acompanhar a evolução e comprovar os valores para eventual questionamento.[6]

 Sempre procure um advogado caso sinta que algum direito consumerista seu foi violado, principalmente nesta data.

Por: Isabella Pari Bortoloti

Advogada especialista em Direito Processual Civil, pós graduanda em Direito Empresarial, Cursos de extensão em: Propriedade Industrial pelo Damásio Educacional; Fashion Law e Empreendedorismo na Moda pela Escola de Moda Denise Aguiar; Direito da Beleza pelo Escritório Andreotti Chiavegatti & Toschi Advogados ; Fashion Law: Modelos de Negócio e Proteção de Propriedade Intelectual pela FAAP.

Referências

  • KALIL, Gloria. Fashion Marketing: relação da moda com o mercado. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2010.
  • MIRANDA, Ana Paula de. Consumo de moda: a relação pessoa-objeto. 2. Ed. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2017.
  • https://www.bbc.com/portuguese/internacional-38087960 – em 23.11.2020 às 15h51.
  • https://canaltech.com.br/black-friday/quando-e-black-friday-como-funciona/ – em 24.11.2020 às 10h20.
  • https://olhardigital.com.br/black-friday-2019/video/black-friday-2019-registra-59-mais-reclamacoes/93722 – 24.11.2020 às 15h40.
  • https://www.procon.sp.gov.br/black-friday-procon-sp-orienta/ – 24.11.2020 às 15h58.
  • http://texbrasil.com.br/pt/estudo-da-mckinsey-aponta-mudancas-no-consumo-de-moda-apos-pandemia/ – 24.11.2020 às 16h09.
  • https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ufs/ap/artigos/varejo-da-moda-perfil-de-consumo,de573a3a410ef510VgnVCM1000004c00210aRCRD – 24.11.2020 às 13h50.

[1] Dados extraídos de: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-38087960 – em 23.11.2020 às 15h51.

[2] Dados extraídos de: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-38087960 – em 23.11.2020 às 16h48.

[3] Dados extraídos de: https://canaltech.com.br/black-friday/quando-e-black-friday-como-funciona/ – em 24.11.2020 às 10h20.

[4] Dados extraídos de: https://canaltech.com.br/black-friday/quando-e-black-friday-como-funciona/ – 24.11.2020 às 15h01.

[5] Dados extraídos de: https://olhardigital.com.br/black-friday-2019/video/black-friday-2019-registra-59-mais-reclamacoes/93722 – 24.11.2020 às 15h40.

[6] Dados extraídos de: https://www.procon.sp.gov.br/black-friday-procon-sp-orienta/ – 24.11.2020 às 15h58.

Compra de Marcas Brasileiras por Grandes Grupos – Aspectos Econômicos, Jurídicos e de Mercado.

 O último mês, de outubro, foi bem agitado para o mercado da moda brasileira. Dois grandes grupos, conhecidos por serem detentores das principais marcas de sapatos e vestuários no país anunciaram a compra de duas marcas bem conceituadas no cenário atual: Reserva (Tiferet Comércio de Roupas LTDA) e a NV (NV Loja Comércio de Roupas e Acessórios LTDA).

 Primeiramente foi anunciado a compra da Reserva pela Arezzo&Co, esta última titular de grande parte do mercado de calçados, bolsas e acessórios no Brasil, as marcas que fazem parte do grupo: Arezzo, Schutz, Anacapri, Alexandre Birman, Fiever, Alme e Vans. As ações da Arezzo acumularam uma alta de quase de 300% – o que levou a empresa ao patamar dos R$ 4,8 bilhões de valor de mercado, com 750 lojas físicas, mais de 2.700 pontos de venda e 14,5 milhões de pares de sapatos comercializados por ano.[1]

 Tal transação transforma a Arezzo&Co em uma house of brands, termo usado para a “casa” de várias marcas, independentes uma das outras, cada uma com seu próprio público.[2] De acordo com a diretora de relações com investidores da Arezzo&Co, foi uma ótima oportunidade em expandirem para o setor do vestuário, alcançando um maior público, vestuário masculino, feminino e infantil, além dos já presentes no grupo, calçados, bolsas e acessórios.

 Segundo a revista Exame[3], o final de ano para a Arezzo&Co tem sido bem agitado, após a compra da Reserva, lançou uma categoria de chinelos e sandálias para concorrência direta com a Havaianas.

 Já a notícia da compra da NV pelo grupo SOMA foi recebida dias após, com grande surpresa pelos consumidores da marca. A marca foi fundada por Natália Vozza e seu sócio, Antônio Carlos Junqueira. O foco da marca sempre foi o online por conta da profissão da fundadora, que é digital influencer. No último ano, 2019, a marca teve um faturamento de R$ 100 milhões com apenas 5 lojas físicas.

 O grupo SOMA nasceu em 2010, quando a fusão de duas grandes marcas dos públicos A e B dos consumidores de moda, Farm e Animale.

  As operações, tanto da compra da Reserva pela Arezzo&Co e da NV pelo Grupo SOMA, estão condicionadas a uma aprovação definitiva do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). A lei nº.:12.529/2011, em seu artigo 90, trata sobre o ato de concentração econômica, que consiste quando duas empresas, anteriormente independentes, se fundem, da mesma forma, a alternativa de ser uma ou mais empresas adquirem, direta ou indiretamente, por compra ou permuta de ações, quotas, títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, ou ativos, tangíveis ou intangíveis, por via contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o controle ou partes de uma ou outras empresas, como também, uma ou mais empresas incorporam outra ou outras empresas, ou, por fim, duas ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture.

 O CADE, tem por principal função, no papel de autarquia, analisar os aspectos concorrenciais de atos de concentração cuja notificação é obrigatória.  Logo, o cenário do mercado da moda apresentado acima, visivelmente está passando por uma análise sobre concentração econômica, para que assim se possa conservar a preservação da afluência, como outras formalidades, bem como a diversidade e qualidade de produtos e serviços prestados ao consumidor.

 Na ocasião, é analisado em um ato de concentração, especialmente, a participação de mercado das empresas envolvidas na operação, se há existência ou não de rivalidade por parte dos concorrentes, além de outros aspectos relacionados ao setor envolvido, como nos cases apresentados, o setor têxtil.

 Ambas as transações, de acordo com o artigo 88, parágrafo 4º da lei supracitada, até a decisão final sobre a operação, deverão ser preservadas as condições de concorrência entre as empresas envolvidas. Esse dispositivo obriga as partes a absterem-se de concluir o ato de concentração antes de finalizada a análise prévia do CADE, sob pena de possível declaração de nulidade da operação, imposição de multa pecuniária em valores que variam entre R$ 60 mil e R$ 60 milhões – a depender da condição econômica dos envolvidos, dolo, má-fé e do potencial anticompetitivo da operação, entre outros – e a possibilidade de abertura de processo administrativo contra as partes envolvidas.[4] O pedido de aprovação dos atos de concentração econômica gera uma taxa processual no valor de R$ 85 mil (oitenta e cinco mil reais).

 Referências

  • https://www.infomoney.com.br/perfil/alexandre-birman/ – acesso em 29.10.2020 às 15h49.
  • https://www.ecommercebrasil.com.br/noticias/arezzo-reserva-mantem-dinheiro/ – em 29.10.2020 às 16h38.
  • https://einvestidor.estadao.com.br/mercado/entrevista-arezzo-compra-reserva – em 29.10.2020 às 16h53.
  • https://www.istoedinheiro.com.br/grupo-soma-compra-nv-da-blogueira-nati-vozza-por-r-210-milhoes/ – em 29.10.2020 às 18h53.
  • https://willowmarketing.com/2018/07/17/branded_house_vs_house_of_brands/ – acesso em 30.10.2020 às 14h35.
  • https://exame.com/casual/arezzo-lanca-chinelo-de-borracha-para-brigar-com-havaianas/ – acesso em 10.11.2020 às 07h36.
  • http://www.cade.gov.br/servicos/perguntas-frequentes/perguntas-sobre-atos-de-concentracao-economica – acesso em 10.11.2020 às 10h45.
  • http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12529.htm – acesso em 10.11.2020 às 10h54.

 Por: Isabella Pari Bortoloti

Advogada especialista em Direito Processual Civil, pós graduanda em Direito Empresarial, Cursos de extensão em: Propriedade Industrial pelo Damásio Educacional; Fashion Law e Empreendedorismo na Moda pela Escola de Moda Denise Aguiar; Direito da Beleza pelo Escritório Andreotti Chiavegatti & Toschi Advogados ; Fashion Law: Modelos de Negócio e Proteção de Propriedade Intelectual pela FAAP.


[1] Dados extraídos: https://www.infomoney.com.br/perfil/alexandre-birman/ – acesso em 29.10.2020 às 15h49.

[2] Dados extraídos e traduzidos de: https://willowmarketing.com/2018/07/17/branded_house_vs_house_of_brands/ – acesso em 30.10.2020 às 14h35.

[3] Dados extraídos: https://exame.com/casual/arezzo-lanca-chinelo-de-borracha-para-brigar-com-havaianas/ – acesso em 10.11.2020 às 07h36.

[4] Dados Extraídos: http://www.cade.gov.br/servicos/perguntas-frequentes/perguntas-sobre-atos-de-concentracao-economica – acesso em 10.11.2020 às 10h45.

A pandemia da Covid-19 como combustível para a mudança da prática jurídica no mundo da moda, beleza e design

O Direito é uma construção cultural, ciência que sempre correrá atrás dos fatos. Em outras palavras, o Direito é como um reflexo da sociedade e dos tempos que vivemos. Ao passo que a humanidade evolui, seja com a criação de novas tecnologias, seja com situações de crise, o Direito é obrigado a caminhar junto. Isto vem com a criação de novas leis, novos entendimentos doutrinários e jurisprudência que vai se moldando aos tempos e desafios.

O Poder Judiciário, as leis e os players deste mercado (em especial, os advogados) são vistos habitualmente com desconfiança e descrédito, fruto de suas práticas arcaicas e uma notável dificuldade enraizada de se modernizar e se adaptar ao mundo 4.0. Todavia, com a pandemia da Covid-19, o Direito foi colocado sob o holofote, tendo em vista os inúmeros reflexos que a questão sanitária trouxe, assumindo uma posição de protagonista nestes novos tempos, e forçando uma série de mudanças e inovações que são vistas como bons e novos ares para a prática jurídica.

Em poucos dias, dezenas de novas normas alteravam temporariamente direitos trabalhistas de forma bastante relevante, outras alteravam os direitos consumeristas, como tentativas de criar um melhor balanço nas relações desestabilizadas pela crise. Tivemos flexibilização de regras tributárias e alteração de dezenas de regramentos administrativos.

Neste contexto, as indústrias da moda, beleza e design foram impactadas pela pandemia na exata proporção de sua relevância na economia nacional, que é grande. Com centros comerciais fechados, empregados afastados e consumo temporariamente em absoluto declínio, os players destas indústrias sentiram um baque significativo em suas atividades, ainda sem perspectiva de melhoria concreta. Ao mesmo tempo, discussões de inadimplemento contratuais como as de revisão de aluguel de loja em shopping center já começam a invadir o Judiciário, assim como são previstas ondas de processos de consumidores, sejam no polo passivo, em caso de incapacidade de honrar compromissos firmados, seja no polo ativo, contra empresas que não tenham conseguido, por exemplo, entregar uma mercadoria comprada pelo consumidor.

Ainda que não se tenham respostas concretas e uníssonas de como o Direito tecnicamente deverá alcançar e superar os desafios atuais trazidos para estes mercados, reflexos positivos já podem ser vistos. Mesmo que a prática jurídica em tempos de crise seja difícil e incerta, a pandemia serviu como combustível para acelerar o processo de inevitável modernização jurídica.

Apenas para citar alguns exemplos, cada vez mais as plataformas de e-commerce e marketplace sofisticam seus mecanismos de solução de conflitos e disputas internos e online, evitando a judicialização da discussão entre as partes. A disrupção provocada pela crise também é positiva ao passo que os smart legal contracts finalmente passam a ter sua utilidade compreendida. Geridos online, estes possuem algumas regras pré-determinadas, e de acordo com a coleta de informações do mundo exterior (como por exemplo, a decretação de pandemia mundial), automaticamente alguns gatilhos são disparados, com a alteração de algumas das condições estabelecidas, de acordo com a capacidade de cada parte de performar o contrato.

Por fim, já tivemos sessões plenárias virtuais do STF, e o Judiciário claramente acelerou seu processo de mudança de paradigma, deixando de ser um “local” e caminhando para o ideal de “justice as a service” há anos debatido, tornando-o mais ágil, moderno e online, com audiências por videoconferência, processos digitalizados e remodelação de procedimentos. A crise, aqui, é a oportunidade para que o Judiciário saia de modo irreversível do mundo offline e evite inclusive um possível colapso futuro, com dezenas de milhares de ações que possam surgir de discussões de revisões contratuais, reclamações trabalhistas e inúmeras outras questões decorrentes dos tempos de pandemia que podem retardar ainda mais a retomada de crescimento de indústrias como as da moda, beleza e design, que já foram altamente impactadas com a pandemia e não podem se dar ao luxo de sofrerem novos golpes no período pós-crise.

Tem-se então uma grande esperança, de que que as mudanças trazidas pelos desafios decorrentes da pandemia sejam efetivamente internalizadas na prática jurídica, tornando-a mais acessível e sensível às necessidades de indústrias especificas como a da moda, moderna, ágil e, por que não, sustentável.

Originalmente publicado no Ecoera

Por Cassio Mosse

Direito da Moda e uma nova visão para questão da imagem das modelos

Falar sobre Direito da Moda é, antes de tudo, recordar-se de um mercado que movimenta bilhões. Mesmo em períodos de crise, como em 2017, a indústria da moda movimentou mais de 100 bilhões de reais. No presente ano de 2020, as projeções eram positivas, porém, com a crise advinda da propagação da Covid-19, provocada pelo coronavírus, possivelmente haja uma queda no setor, ainda não estimada. Mesmo assim, é um mercado atraente.
Ao se falar em moda, uma das primeiras coisas que vem à cabeça das pessoas é a profissão de modelo. A maioria imediatamente pensa nas supermodelos, com cachês altíssimos, que conseguem chegar facilmente ao primeiro milhão em pouco tempo de carreira, as belas que brilham, constroem seu patrimônio e sua figura de celebridade. Porém, poucos sabem com quanto trabalho e esforço tiveram de contar. Como diz
Libardi, uma conhecida autora da área da moda, ser modelo não é uma brincadeira, nem deve ser um hobby predileto. É uma profissão. Assim como o médico, a modelo também tem suas obrigações. E estas são muitas, pois o mercado hoje é altamente profissional e exige das modelos uma postura condizente.
Independente de classe social, cor, raça, credo ou preferência política, diversas pessoas querem ocupar o posto de top model. As agências recebem dezenas de telefonemas e e-mails por dia e muitos inspiram-se em Gisele Bündchen ou Jesus Luz. Por conta disso, essa é uma profissão também de classes menos favorecidas. Mesmo para quem não teve acesso a uma educação tradicional ou adequada, transparece ser alternativa positiva. Não se vê a necessidade de investir em educação, pois pensa-se que se pode
começar desde cedo e fazer dinheiro em pouco tempo e sem qualquer formação. É necessário ter consciência de que esse mercado é concorrido e exigente. Por outro lado, é amplo e oferece inúmeras oportunidades. Somente o discernimento, o preparo, a dedicação e a vocação permitem a transformação do sonho em realidade.
Neste tipo de trabalho, a questão da imagem se mostra fundamental. No mundo contemporâneo, como afirmamos em nosso livro, o conceito de imagem ocupa lugar central. É impossível não ser tocado por imagens atualmente. No computador, na televisão, no celular, além de que, cada vez mais se facilitam as tecnologias para se “guardar” uma imagem. Talvez mais do que fazer ligações, o celular é um meio de registro de imagens. Nas redes sociais, as pessoas se comunicam mais por imagens do que por textos. As chamadas “selfies” se fazem cada vez mais presentes, não apenas na intimidade, mas até para registro de solenidades.
A imagem torna possível o viver. A vida animal, a vida sensível em todas suas formas, pode ser definida, segundo um pensador atual chamado Emanuelle Coccia, como uma faculdade particular de se relacionar com as imagens. O ser humano não é o animal racional porque conhece ou pode conhecer, mas sim porque se auto-reconhece como imagem. Ele vê e sente sua imagem. Sua vida somente é possível por meio de imagens, que são muito mais que meras representações. O ser humano vive no mundo a partir do sensível, ou seja, a partir de suas sensações e não por meio de percepções, como já demonstraram diversos campos do conhecimento.
No espaço da moda, isto é muito mais perceptível. Toda vez que se veste, o ser humano devolve sua imagem ao mundo exterior. Aquilo que ele sente ser como imagem, ele lança ao mundo com sua vestimenta. Além de uma característica de proteção, a roupa transmite a imagem que a pessoa é. Pode-se dizer, assim, junto com Coccia, que o ser humano é o animal que aprendeu a se vestir.
Essa nova concepção de imagem é fundamental ao direito, porque, normalmente, este trabalha com o conceito de imagem como um atributo da personalidade. Atributo essencial, é claro, mas ainda assim como uma “propriedade”. Se olharmos por essa perspectiva acima, a imagem não é só um atributo. Ela é o que o ser humano é. Ela é a própria pessoa. Portanto, a imagem não é apenas um direito personalíssimo, mas ela é aquilo que constitui a pessoa e, assim, é ela que possibilita a aquisição de direitos.
Na doutrina clássica, a imagem está atrelada à ideia de representação. O que está em jogo aqui, é afirmar que imagem está ligada à ideia de constituição; constituição essa do próprio ser da pessoa.
No Direito da Moda, principalmente quando se trata da profissão de modelo, ou de atores e atrizes que fotografam, ou mesmo pessoas que o fazem esporadicamente, significa dizer que, se a imagem for atingida, não é simplesmente um direito que foi violado. Mas é afirmar que a integridade mesma da pessoa foi alcançada.
A tese é nova e merece desenvolvimento. E este é um dos desafios para o Direito da Moda!

Por Valquíria Sabóia

Bibliografia

SABÓIA, Valquíria. Direito da Moda: uma introdução ao Fashion Law. São Paulo: Giostri Editora, 2020.

A linha tênue entre a inspiração e a cópia

 No direito da moda, ou mais conhecido como fashion law, muito se fala da proteção na propriedade intelectual para a proteção do design por conta da competitividade encontrada no fashion business e da exclusividade que o consumidor busca das marcas, como originalidade e criatividade, e que muitas vezes é o completo oposto da novidade.

A originalidade é aquela que faz com que uma obra se distinga de outras por seu conteúdo de feitos, de ideias ou de sentimentos. Criatividade e originalidade andam juntas para interessar ao direito de autor. (EGEA, 2019, p. 137)

Resumidamente, a propriedade intelectual se subdivide em dois ramos: propriedade industrial e direito autoral. Ambos tendo leis próprias, o direito autoral, de acordo com o artigo 22 da lei dos direitos autorais, afirma que, sobre a obra criada por ele, os direitos patrimoniais e morais, o pertencem. Já a propriedade industrial, é voltada para tudo aquilo que se pode produzir industrialmente, contando com a proteção a invenções, desenhos industriais, marcas, indicações geográficas e relações concorrenciais, que são, em uma abordagem simples, registrados no INPI.

 Mesmo o design de moda sendo protegido pela propriedade intelectual, não é exclusivo e específico para o mundo da moda. Uma problemática que surge são os produtos inspirados, ou popularmente conhecido como inspired. Logo, trazemos à tona a questão do título, até onde o produto é uma inspiração e qual é o limite para se tornar uma cópia? Além do mais, seria protegido pelo direito autoral ou propriedade industrial?

A questão reside justamente na possibilidade de uma obra possuir múltiplos traços, como por exemplo, o cunho artístico e o utilitário. Nesse caso haveria uma ação conjunta das leis para amparar essa questão. (CARDOSO, 2018, p. 125)

Um exemplo bem popular, que no Brasil teve grande repercussão por conta das empresas envolvidas e pelo produto ser mundialmente conhecido, foi o caso Village 284 e a Hermès. Em decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, envolvendo uma bolsa lançada pela Village 284, da linha I’m not the original, e as bolsas Birkin pertencente as empresas: Hermès International e Hermès Sellier. O Tribunal reconheceu que que o caso se tratava de “obra de arte aplicada”, ou seja, uma definição que vinha com a antiga lei de direitos autorias, a lei nº.: 5988/73, por conta do valor artístico conferido as bolsas Birkin e não uma suposta natureza industrial.

  A cópia tem a intenção de se passar pelo o original, trazendo confusão ao consumidor. Popularmente as cópias são chamadas de: réplicas, falsificadas e piratas, e são tuteladas como contrafação, crime previsto no artigo 184 do Código Penal. Já a inspiração, ou como já supracitado, inspired, aproximam-se ao plágio, tutelado pelo direito autoral, aqui, o fornecedor não tem a intenção de se passar pelo o original, mas sim uma inspiração ao produto, alterando alguns elementos. Dependendo do “grau” da inspiração, ela pode ser considerada como excludente de plágio, essa é a verdadeira inspiração, aquela que é uma homenagem ao produto original.

Porém, hoje usa-se o nome “inspired” para criar uma ilusão de excludente de plágio que, no entanto, nada mais é que o verdadeiro plágio que nem deveria ser considerado parcial e sim total, pois a simples mudança de fator não altera a totalidade do produto.” (CARDOSO, 2018, p. 132)

 A questão é, todo cuidado é pouco quando se duvidar da procedência e originalidade do produto, se há hesitação quanto à esses requisitos, não compre, não patrocine o crime de contrafação e muito menos marcas que acham que podem intitular seu produto como inspiração e na realidade é o plágio.

Por Isabella Pari Bortoloti

 Referências

 CARDOSO, Gisele Ghanem – Direito da moda: análise de produtos “inspireds”. – 2 ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.

 COELHO, Fábio Ulhoa – Curso de direito civil – volume 4; direito das coisas, direito autoral. – 6 ed. – São Paulo : Saraiva, 2015.

 SOUZA, Regina Cirino Alves Ferreira de; [Coord.] – Fashion law: direito da moda – Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2019.

Para onde vão seus dados no “lugar mais feliz da Terra”?

 

Por: Carla Segala Alves[1]

 

Ao chegar no complexo Disney World, em Orlando, Flórida, o visitante se depara com um arco indicando “Welcome to the Happiest Place on Earth” (“Bem vindo ao lugar mais feliz da Terra”, em tradução livre). Logo em seguida, ao fazer check-in em um dos hotéis do complexo, ele recebe uma MagicBand.

As MagicBands são pulseiras entregues a todos os visitantes hospedados em hotéis do complexo da Disney, podendo, ainda, ser adquiridas por visitantes que circulam apenas pelos parques. Estas pulseiras ficam diretamente vinculadas ao nome de seu adquirente, incorporando informações como: ingressos para os parques e reservas em hotéis. Além disso, elas servem como chave para a porta dos quartos nos hotéis do complexo e até mesmo como meio de pagamento, incorporando dados do cartão de crédito indicado pelo visitante. Basicamente, tudo o que o visitante pode necessitar dentro do complexo Disney World está ao alcance de seu pulso. Portanto, isto significa que ele veste a pulseira o tempo inteiro, ao circular pelo complexo.

Para se prestar a todas estas funcionalidades, a MagicBand utiliza ondas de rádio, que permitem à Disney obter informações acerca da circulação dos visitantes em seu complexo. Aparentemente a Disney utiliza a MagicBand frequentemente para personalizar as atrações a seus visitantes. Por exemplo, a Disney solicita a data de aniversário de todos os usuários das pulseiras. Assim, caso um personagem circulando no parque passe próximo de uma criança que utilize a MagicBand, no dia de seu aniversário, ele pode receber uma notificação para congratular especialmente a criança[2]. Ainda, a pulseira pode ser integrada com a conta do visitante no aplicativo disponibilizado pela Disney, enviando, por exemplo, fotografias tiradas nos parques diretamente para o aplicativo.

Mas, para vivenciar esta experiência agradável e especial dentro da infraestrutura do complexo, o que o visitante oferece em troca? Em primeira análise, ao menos seus dados cadastrais, necessários para a reserva nos hotéis e para a aquisição de ingressos e, caso deseje utilizar a MagicBand como meio de pagamento, informações de cartão de crédito. Além disso, caso o visitante opte por utilizar a pulseira como meio de pagamento, a Disney consequentemente terá acesso a informações valiosas acerca de seus hábitos de consumo no complexo.

Entretanto, como anteriormente mencionado, a MagicBand funciona por meio de sinais de rádio. Como indicado pela própria Disney, a pulseira utiliza bandas de altas frequências para emitir e receber sinais, por meio de uma pequena antena nela localizada, podendo ser reconhecida tanto por sensores de curto alcance, como os localizados nas entradas dos parques e nos caixas, para pagamento, quanto por leitores de longo alcance, que permitem à Disney coletar informações sobre a movimentação no complexo[3]. Em outras palavras: a Disney é capaz de obter informações de geolocalização dos visitantes, de modo a entender por onde cada visitante circulou no parque, podendo, pelo menos em tese, acompanhar determinado visitante em tempo real.

Os dados coletados são um grande negócio para a Disney. A empresa, inclusive, contrata matemáticos para estudar os padrões de atividades nos parques, o que permite administrar o negócio de acordo com as métricas identificadas, dedicando mais recursos a áreas e atrações com maiores demandas e, até mesmo, antecipando necessidades[4].

Curiosamente, embora os visitantes do Disney World aceitem mitigar sua privacidade para circular no complexo com a MagicBand, a entrega da pulseira não é acompanhada de quaisquer informações acerca de seu funcionamento, das informações coletadas acerca do usuário quando da utilização do bracelete, nem de qual uso é feito pela Disney de tais informações. Também não é coletada nenhuma forma de aceite do usuário, com o intuito de demonstrar seu consentimento com relação à utilização dos dados pessoais coletados a seu respeito pela Disney. Tal conduta, entretanto, não corresponde a qualquer ilicitude por parte da Disney, sendo certo que os Estados Unidos não possuem lei geral de proteção de dados, sendo esta regulamentada de forma segmentada, por leis setoriais e estaduais.

O estado da Flórida, local onde se encontra o complexo Disney World, possui, desde 2014, lei específica relacionada à proteção de dados pessoais, conhecida como Florida Information Protection Act (“FIPA”). Referida norma, entretanto, não menciona a necessidade de obtenção de consentimento dos titulares dos dados para seu tratamento, focando mais na segurança dos dados coletados (que a Disney indica respeitar[5]) e em procedimentos em caso de vazamentos de dados.

A Disney, ainda, disponibiliza em seu site oficial Política de Privacidade[6] informando acerca do funcionamento da MagicBand. A empresa, inclusive, informa que o visitante não é obrigado a utilizar a MagicBand, podendo circular nos parques com o cartão de acesso oferecido (muito menos conveniente, é claro), que contém apenas receptores passivos de sinais de rádio[7], não transmitindo, portanto, informações acerca da utilização do parque pelo usuário.

É um serviço que pode ser considerado por muitos como intrusivo, embora lícito. A Disney, inclusive, reforça na Política de Privacidade relacionada à MagicBand que a pulseira se destina apenas à utilização nos Estados Unidos[8], diante das particularidades da legislação local. A MagicBand não é disponibilizada, por exemplo, nos parques da Disneyland Paris. Isto pode, em certa medida, estar relacionado ao fato de que a União Europeia possui normas muito mais estritas acerca de privacidade e tratamento de dados pessoais do que os Estados Unidos, o que, portanto, requereria uma série de cuidados adicionais da empresa com relação à coleta e tratamento dos dados pessoais obtidos.

Um artigo, inclusive, compara as MagicBands, em conjunto com os sensores no complexo da Disney e os sistemas aos quais estes estão ligados, com um computador gigante, processando em tempo real dados de onde os visitantes estão, o que eles estão fazendo e o que eles querem e, é claro, atendendo aos desejos identificados, o que permite à Disney aprimorar os serviços prestados e, cada vez mais, atender aos interesses dos consumidores[9].

Na realidade, este tipo de atividade realizada no Disney World pouco difere do que grandes empresas de tecnologia, como Google e Facebook, já fazem diariamente: coletam, armazenam, tratam e compartilham dados de usuários, utilizando-os para aprimorar suas atividades comerciais, melhor entendendo e atendendo os interesses dos usuários e, portanto, gerando consumo a partir disso. Vivenciamos isto diariamente, por exemplo, ao utilizar um smartphone com sistema operacional Android, que, vinculado a uma conta Google, pode indicar por onde seu possuidor passou em determinado dia e coletar, com precisão, informações acerca de seus hábitos diários, revertendo tais informações a produtos e serviços ao usuário.

O fato é que as pessoas estão cada vez mais propensas a aceitar a mitigação de sua privacidade pela comodidade, mesmo sem entender exatamente o significado deste trade off. A MagicBand da Disney corresponde à perfeita analogia do mundo fora da terra da fantasia, no qual diariamente as pessoas optam por mitigar sua privacidade em troca de conforto e serviços. Com a popularização dos wearables e a evolução da Internet das Coisas (IoT – Internet of Things), a questão tende a se tornar ainda mais frequente.

Diante deste cenário, tornam-se de extrema relevância as leis e normas que visam regular a utilização de dados pessoais, com intuito de conferir maior segurança jurídica tanto aos indivíduos quanto às corporações que tratam os dados. No Brasil, a questão já é tratada de maneira esparsa por diversos diplomas legais, como, por exemplo, a Constituição Federal, o Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor, o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) e seu Decreto Regulamentador (Decreto nº 8.771/2016).

Desse modo, caso a Disney decida vir ao Brasil e operar com a MagicBand, será necessária a adequação de seu sistema a algumas regras locais, principalmente as estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor e pelo Marco Civil da Internet e seu Decreto Regulamentador, especialmente em razão do fluxo de informações coletadas por meio da MagicBand com o aplicativo e o website disponibilizados pela Disney. Assim, por exemplo, seria recomendável a obtenção de prévio consentimento do usuário para o tratamento de dados coletados por meio da MagicBand conjuntamente com as aplicações de internet disponibilizadas pela Disney.

Ainda, o Brasil, ao contrário de outros países, ainda não possui lei geral de proteção de dados pessoais, mas apenas normas setoriais. Circulam, no Congresso Nacional, alguns projetos de lei sobre o tema, dos quais se destacam o PL nº 5.276/2016 e o PL nº 4.060/2014, ao qual o primeiro se encontra apensado. Embora não haja previsão para sua análise pelo Congresso Nacional, espera-se uma nova versão do Projeto para os próximos meses.

Indiscutível, portanto, a relevância de legislação direcionada especificamente à privacidade e proteção de dados pessoais diante da evolução tecnológica e sua popularização, afinal, no estágio atual, é muito provável que o “big brother” (ou o “big mouse”) esteja de fato assistindo.

 

[1] Advogada no escritório Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados Associados. Especialista em Propriedade Intelectual e Novos Negócios pela Escola de Direito da FGV-SP. Membro do Grupo de Ensino e Pesquisa em Inovação (GEPI) da FGV-SP, na área de privacidade e proteção e dados.

[2] FOREMAN, John. “You don’t want your privacy: Disney and the meat space data race”. Disponível em: https://gigaom.com/2014/01/18/you-dont-want-your-privacy-disney-and-the-meat-space-data-race/. Acesso em 15.06.2017.

[3] Disponível em: https://disneyworld.disney.go.com/faq/my-disney-experience/frequency-technology/?awc=2632_1497575595_4aa64e8d70aec52bf978f5093a2f8d96&utm_medium=affiliate&utm_source=Skimlinks&utm_campaign=Editorial+Content. Acesso em 15.06.2017.

[4] ESTES, Adam Clark. “How I Let Disney Track My Every Move”. Disponível em: http://gizmodo.com/how-i-let-disney-track-my-every-move-1792875386. Acesso em 16.06.2017.

[5] “The security, integrity and confidentiality of your information are extremely important to us. We have implemented technical, administrative and physical security measures that are designed to protect guest information from unauthorized access, disclosure, use and modification. From time to time, we review our security procedures to consider appropriate new technology and methods. Please be aware that, despite our best efforts, no security measures are perfect or impenetrable.” (Disponível em: https://disneyworld.disney.go.com/faq/my-disney-experience/my-magic-plus-privacy/. Acesso em 16.06.2017.)

[6] Disponível em: https://disneyworld.disney.go.com/park-experience-terms-conditions/?awc=2632_1497575597_57d0f611568a45a5431da900104f2103&utm_medium=affiliate&utm_source=Skimlinks&utm_campaign=Editorial+Content. Acesso em 16.06.2017.

[7] “Guests can participate in MyMagic+ and visit the Resort without using the MagicBand by choosing a card, which cannot be detected by the long-range readers; however, certain features of MyMagic+ are dependent upon long-range readers, including automatic delivery of certain attraction photos and videos and some personalized offerings, which are only available to guests using a MagicBand.” (Disponível em https://disneyworld.disney.go.com/faq/my-disney-experience/my-magic-plus-privacy/. Acesso em 16.06.2017).

[8] “MagicBands are intended for use in the United States only.” (Disponível em https://disneyworld.disney.go.com/park-experience-terms-conditions/?awc=2632_1497575597_57d0f611568a45a5431da900104f2103&utm_medium=affiliate&utm_source=Skimlinks&utm_campaign=Editorial+Content. Acesso em 16.06.2017).

[9] KUANG, Cliff. “Disney’s $1 Billion Beto n a Magical Wristband”. Disponível em: https://www.wired.com/2015/03/disney-magicband/. Acesso em 16.06.2017.

 

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