Breves comentários sobre o novo papel do Advogado, das Sociedades e dos Órgãos de Classe.
Há cerca de uma década estávamos preocupados com a redução considerável de advogados autônomos e o crescimento desenfreado das grandes bancas jurídicas – nacionais e multinacionais – e a sua influência em nosso mercado, alguns profetizaram que infelizmente veríamos a figura do advogado independente e das pequenas e médias firmas acuadas para fora do mercado jurídico.
Como grande parte das premonições arrojadas destes últimos dez anos, não foi bem isso o que aconteceu, pelo contrário, atualmente nos deparamos com um cenário bem diferente, já que alcançamos 1kk de advogados inscritos na OAB.
Embora persista de uma forma geral o crescimento das grandes bancas, seja por aumento, seja por consolidação daquelas que estão no topo do mercado, ocorre que, no outro extremo já enxergamos tendências distintas se manifestando, sendo que grande parte delas são alimentadas pelas facilidades de composição societária, redução de custos e extraterritorialidade da Internet.
Nesse período, vimos com todas as cores e consequências comerciais o potencial da Internet crescer a uma razão exorbitante. Estamos diante de uma redução significativa em time to Market, no caso, a título ilustrativo, tendo como base a “métrica dos 50 milhões”, quando o Facebook foi lançado em 2004, levou 1300 dias para atingir 50 milhões de usuários, já o Angry Birds levou 34 dias para alcançar a marca em 2015, tendo sido posteriormente superado pelo Pokemon Go no ano de 2016, que arrebatou a marca em apenas 19 dias[1]!
Para a carreira jurídica que geralmente caminha atrás das demais indústrias na assimilação de novas tecnologias, o atual crescimento de sociedades jurídicas virtuais à distância e advogados freelancers já se mostra significativa. Um indicativo dessa tendência pode ser observado na alteração ocorrida no Estatuto da Advocacia, em decorrência da Lei nº 13.247/2016 e consequente provimento do Conselho Federal da OAB nº 170/16, medidas que instituíram, regulamentaram e, por fim, viabilizaram a sociedade advocatícia unipessoal.
Outrora, além das soluções de gerenciamento e controle de processos (que à época das previsões eram o beacon de tecnologia aplicada ao mundo jurídico), o uso da Internet e suas ferramentas voltadas ao mercado jurídico se limitava a brochuras digitais, ou seja, compartilhamento de arquivos (o famoso armazenamento na nuvem e todas as suas implicações em compliance), editores de texto e atualização de andamento de processos pela Internet.
Atualmente, com a consolidação do processo eletrônico e as mudanças mencionadas, acompanhadas de soluções para contratação de advogados correspondentes (o App Diligeiro é um belo exemplo dessa realidade no mercado brasileiro) e, soluções para mediação e conciliação, fica evidente a ruptura no modelo de negócio jurídico até então existente.
Arriscamos dizer que já existem iniciativas para desenvolver o “Uber para advogados”, em mercados onde a regulamentação não se oponha, bastando abrir o aplicativo, inserir algumas informações na plataforma para se conectar diretamente com um advogado, este informado previamente da necessidade do usuário e preparado para oferecer um parecer e/ou conduzir a demanda (recursos de Inteligência Artificial já podem classificar as demandas e indicar as medidas cabíveis, calculando a razão entre o custo/resultado) .
Essas e outras mudanças se verificam na forma como as sociedades se reestruturaram ou passaram a se formar no modus operandi e até na forma de cobrança pelos serviços jurídicos prestados.
Estamos vendo jovens advogados começando suas próprias sociedades “virtuais” no mesmo ano que são aprovados na OAB, bem como outros advogados preferindo deixar o modelo rígido de longas horas das sociedades tradicionais para abrir e tocar seus próprios escritórios virtuais, onde percebem a existência de um horário flexível e a desnecessidade de deslocamento diário como umas das muitas vantagens existentes e ainda é possível verificar bancas tradicionais tendo que buscar alternativas para os antigos modelos de cobrança baseados em billable hours em favor de modelos mais isonômicos e eficientes.
Importante observar a substituição do Advogado pela Máquina, e também considerar que o crescimento de escritórios virtuais e políticas de home office podem acarretar na redução da interação e troca entre advogados e profissionais das demais áreas, que geralmente ocorriam nos corredores do escritório, sendo fatores essenciais para o desenvolvimento de qualidades e experiências, imprescindíveis para formação de um profissional completo e versátil.
Fica aqui a dúvida se o próximo passo da Ordem dos Advogados do Brasil (e demais associações de classe vinculadas as carreiras jurídicas) será ponderar o seu papel neste novo cenário jurídico/legal, buscando acompanhar estas mudanças e redirecionar seus recursos para melhor informar e apoiar seus membros/associados no formato mais adequado com a realidade citada.
Em um futuro próximo, talvez possamos nos deparar com a transição das salas da OAB espalhadas pelos fóruns do Brasil, passando a figurar como espaço de co-working, capazes de continuar a prover as utilidades de um escritório tradicional, como espaço para revisão, impressão e organização, atendendo, assim, aos advogados em trânsito (como ocorre desde que foram instituídas), mas também para viabilizar as novas necessidades desses advogados e de seus escritórios sem fronteiras, garantindo a estes a oportunidade de interação pessoal/profissional e aprendizado mútuo.
As possibilidades são infinitas. Se adicionarmos a isso uma dose de soluções jurídicas dotadas de Inteligência Artificial, capazes de seguir uma sequência de argumentos lógicos e oferecer um rumo no limbo jurídico (elementar meu caro Watson[2]), qualquer tentativa de fazer uma previsão aqui está fadada a ter a mesma sorte das previsões anteriores, sendo apontada lá na frente como um mero palpite deste subscritor.
Mas como amplamente alardeado, estamos diante de um cenário de inovação e possibilidades (seja lá o que façamos, temos que fazer melhor, de forma mais eficiente e consciente), vamos levar um tempo ainda para sabermos ao certo para onde vamos e como vamos, só tenho comigo que nesse percurso quem vai fazer a diferença é quem enxergar que não é hora para ego e covardia, mas sim de planejamento ousado e esperançoso, sem medo de quebrar o status quo.
Siga nossas postagens do DigitalRights, contribua com a discussão e aguardem novas publicações aprofundando o tema!
Bernardo Meyer (bernardomeyer@digitalrights.cc)
Advogado especializado em Direito e Tecnologia, membro da comissão de Ciência e Tecnologia da OAB/SP, possui vasta experiência em rotinas empresariais da área de TI, atua na área consultiva de Direito Empresarial, Direito Eletrônico, e Licitações e Contratos de Tecnologia.
[1] http://blogs.wsj.com/economics/2015/03/13/it-took-the-telephone-75-years-to-do-what-angry-birds-did-in-35-days-but-what-does-that-mean/
[2] https://www.ibm.com/blogs/watson/2016/01/ross-and-watson-tackle-the-law/