Os fins não justificam os meios: o que entendemos do I Seminário Internacional de Juristas sobre Proteção de Dados Pessoais na Segurança Pública e Investigação Criminal

Por Marco J. Eugle Guimarães

Na última semana o canal da Câmara dos Deputados na plataforma YouTube[1] foi palco do I Seminário Internacional de Juristas, organizado com o escopo de analisar e conceder medidas propositivas para a elaboração de um Anteprojeto da Lei de Proteção de Dados Pessoais no âmbito da Segurança Pública e Investigação Criminal.

As melhores cabeças das ciências penais e de proteção de dados se fizeram presente, conferindo olhares de grande relevância para uma proposta legislativa que, invariavelmente, estabelecerá um novo prisma protetivo às garantias fundamentais dos cidadãos e uma eficiência líquida aos órgãos de controle institucionais do Estado.

 Diante do arsenal de conhecimento injetado no referido Seminário Internacional, alguns pontos trazidos pelos juristas nos chamou a atenção, de modo que aproveitamos o espaço para compartilhar alguns insights sobre os debates.

De início, trazendo um diálogo entre premissas de Direito Penal e Proteção de Dados Pessoais, Luís Greco e Bruno Bioni colocaram à mesa princípios fundantes de ambas as disciplinas que se comunicarão em dado momento, concebendo uma necessária confluência entre os Princípios da Finalidade, Adequação e Necessidade com os Princípios da Reserva Legal e Reserva de Jurisdição.

Para tanto, Luís Greco nos mostrou que, um bom caminho para fins de regulamentação de proteção de dados pessoais em sede de segurança pública seria estabelecer critérios legais delimitando os atos de (i) coleta; (ii) tratamento; (iii) utilização, e; (iv) transferência de dados pessoais por parte dos Órgãos de Controle dos entes Estatais.

Na contramão do que Luís Greco nos ensinou, hodiernamente encontra-se em vigor o Termo de Cooperação Técnica nº. 023/2018[2], entabulado entre o Ministério Público do Estado de São Paulo e o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, que tem por missão uma reciprocidade entre os referidos Órgãos, em nível tático e organizado, visando operações conjuntas e coordenadas no planejamento, desenvolvimento, execução e avaliação de resultados de projetos e atividades voltadas à prevenção e repressão de atos de corrupção no Estado de São Paulo.

Em outro profícuo evento realizado pela Escola Superior do Ministério Público em conjunto com a Escola Superior do Ministério Público da União, o Professor Fabio Ramazzini Bechara compreendeu que, a celebração do Termo de Cooperação Técnica ensejou uma facilitação na persecução de delitos mais sofisticados que afetam, diretamente, a Administração Pública, com a composição do cognominado “lago de dados” de potenciais infratores.

Reconhecendo a sensibilidade do objeto do referido pacto, o Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie sinalizou que, a utilização de tal ferramental tecnológico, abrangido por big data e outros mecanismos de busca em dados abertos ou reservados, pode conter vícios estatísticos, o que tornará o controle epistêmico menos preciso e, consequentemente, poderá gerar resultados de “falso positivo”[3].

Para além dos pontos de reflexão acerca da coleta, tratamento, utilização e transferência dos dados pessoais para fins de Segurança Pública e/ou Investigação Criminal, a separação informacional de poderes acabou prejudicada em nome da boa e eficiente persecução criminal, visto que o aparato Estatal refletido na finalidade repressiva, está se alimentando, cada vez mais, de elementos tecnológicos para a boa condução de seus casos, extirpando caríssimas garantias constitucionais do indivíduo[4], como bem assentou o Supremo Tribunal Federal à luz da ADI 6.387/DF.

Trata-se, portanto, de uma preocupação evidente que a comissão do Anteprojeto da Lei de Proteção de Dados no âmbito da Investigação Criminal e Segurança Pública precisa ter em mente, de modo a não privilegiar a eficiência Estatal em detrimento de garantias fundamentais de primeira dimensão.

Noutro giro, muitos juristas bateram na tecla da Proporcionalidade em tempos de anomia ou ausência de tipicidade processual para realização de medidas compressoras ou constritivas de direitos fundamentais dos cidadãos, confiando ao Estado-Juiz (i) a forma; (ii) o método, e; (iii) o alcance de intrusão nos dados pessoais, em alusão a necessidade e adequação em sentido estrito.

Sob essa óptica, muito bem se posiciona Gustavo Torres Soares[5] quando o magistrado se depara com solo movediço da Proporcionalidade aliado à interpretação extensiva, sem qualquer baliza legal: “[…] a aplicação plena da interpretação extensiva e da aplicação analógica no processo penal brasileiro pode dar ensejo a abusos e desproporcionalidades. […] Há que se encontrar ponto de equilíbrio para o emprego da interpretação extensiva e da aplicação analógica no âmbito dos meios de investigação criminal, que não lhes tire a necessária dinamicidade, mas que tampouco abra espaço para o descontrole do Estado-Persecutor”.

O festejado Procurador da República em sua tese de Doutorado, ainda, traz a experiência do velho continente, com feições legais romano-germânicas, que acaba por estabelecer frenagens às técnicas investigativas de cunho tecnológico[6]: “O Tribunal Superior de Justiça Alemão (BGH) compreendeu, em sede de busca e apreensão de dados informáticos, que: (i) enquanto não houver tecnologia suficiente para separar dados referente ao livre desenvolvimento da personalidade (imunes à busca e apreensão) das informações relativas à participação de certa pessoa em supostos crimes sob investigação (somente essas suscetíveis à busca e apreensão) e (ii) não houve regulamentação legal mínima sobre tal segregação entre dados apreensíveis e não apreensíveis, durante sua coleta pelo Estado-Persecutor, não é admissível, no Direito Alemão, a busca e apreensão digital (BVerfGE 109, 279)”.

A conclusão que podemos extrair do I Seminário Internacional de Juristas acerca de uma Lei de Proteção de Dados Pessoais no âmbito da Segurança Pública e Investigação Criminal é que, muito há que se debater e estudar para que se possa construir um Anteprojeto que atenda a sociedade, sempre percorrendo a linha mediana entre a eficiência Estatal e os Direitos Fundamentais.

O equilíbrio, em tal desafio colossal, precisa ser a pedra angular para que os brilhantes membros da comissão possam realizar um excelente trabalho e colocar à mesa um microssistema normativo que possa atender, anonimamente, todos os atores do jogo processual penal.


[1] Os três dias de evento online encontram-se disponíveis no link: https://www.youtube.com/channel/UC-ZkSRh-7UEuwXJQ9UMCFJA

[2]Disponível em:

http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Portal_da_Transparencia/Licitacoes_Contratos_Convenios/Licitacoes_Convenios/Lista_de_convenios/Lista_de_convenios_2018/PT%2048.731-18%20TCE.pdf

[3] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=d0ZCMrLpQMg

[4] Para um mergulho na temática, sugerimos a leitura de WOLTER, Jürgen. Trad. GRECO, Luís. O inviolável e o intocável no direito processual penal. Editora Marcial Pons: São Paulo. 2018.

[5] SOARES, Gustavo Torres. Investigação Criminal e inovações técnicas e tecnológicas. Editora D’Placido: Belo Horizonte. 2016.

[6] Ibidem.  

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