A Identificação Judicial De Fakes E Haters Para Preservação Das Marcas Nas Redes Sociais

Por Eduardo Helaehil.

A internet transformou a maneira como as pessoas se relacionam com as marcas, estabelecendo novos indicadores que antes não eram considerados pela sociedade, como a reputação digital. Em razão da difusão das redes sociais, que contam com cerca 45% da população mundial adepta ao seu uso[1], a maior parte das celebridades e organizações foram pressionadas a migrar ao ambiente virtual e investir em marketing digital.

A reputação da marca nas redes sociais[2], independentemente se for pessoal, como a de influencers, ou institucional, como a de empresas, pode ser avaliada por meio de critérios parametrizados, como a quantidade de seguidores, o número de visualizações em posts, parcerias consolidados com outras marcas renomadas e, principalmente, a notoriedade perante os consumidores.

Ocorre que o perfil da marca na rede social pode ser alvo de ofensas, ataques organizados ou comentários com teor depreciativo, compartilhados com o intuito de macular sua honra objetiva. Exemplo de ataque coordenado ocorreu no perfil da Natura, em virtude da propaganda sobre diversidade no dia dos pais de 2020.[3]

Se houver o abuso na liberdade de crítica e reclamação, o responsável pode ser condenado a indenizar a marca, como reconheceu o Tribunal de Justiça de São Paulo em recente precedente[4]. Toda vez que o perfil fake ou hater aparecer, seja de modo individual ou massivo, deve ser avaliado o impacto reputacional de suas críticas ou comentários, bem como avaliado se extrapolam a mera liberdade de expressão, atingindo a honra do influencer ou reputação da marca.

Ignorar comentários negativos na rede pode até ser uma opção a ser considerada, contudo, nem sempre será a mais efetiva, uma vez que, segundo a pesquisa Iceberg Digital da Kaspersky[5], mais de 60% dos brasileiros não sabem reconhecer fake news ou mesmo quando a conta na rede social é fake, atribuindo comentários aviltantes como verdadeiros, o que demonstra a criticidade do assunto por atingir diretamente a reputação digital.

Se houver impacto ou o ataque puder ser caracterizado como crime – de difamação, por exemplo –, o titular da conta que cometeu a conduta pode ser responsabilizado na esfera criminal ou cível, inclusive condenado a indenizar o titular da conta ou marca. O verdadeiro problema decorre da impossibilidade de identificar o verdadeiro responsável, afinal, o perfil usado pode ter sido criado com dados fake, não correspondendo a nenhuma pessoa real.

Para identificação de autoria na rede social, existem medidas que podem ser adotadas, promovidas tanto de modo privado, por parte do titular da conta, quanto por parte do Estado, em investigações criminais específicas, ambas em consonância com o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), que regulamenta o uso da internet no Brasil.

A lei apresenta diversas disposições que devem ser observadas por todos os players que prestam serviços na internet, como as redes sociais, esclarecendo que (i) a proteção da privacidade e dos dados pessoais (artigo 3º, II e III) deverá ser preservada, bem como (ii) identificação de autoria somente poderá ocorrer mediante a quebra de sigilo judicial (artigo 10, §1º).

Em regra, portanto, a rede social permite a criação de fake justamente por não requisitar dados de autenticação do titular, o que poderia violar sua privacidade. Do mesmo modo, mesmo quando verificado que houve sim o abuso de direito por parte da conta criada com comentários depreciativos, mesmo que a conta seja fake, não poderá o provedor simplesmente fornecer o IP (Internet Protocol) do responsável ou outros dados cadastrais usados na rede social de modo administrativo.[6]

Assim, para que o fake ou hater seja identificado, o ofendido, ante a sua impossibilidade de descobrir quem é o responsável administrativamente, deverá requerer os dados da conta do responsável de maneira judicial (especificados no artigo 5º, VIII da lei), que podem ser facilmente fornecidos pela rede social mediante pesquisa interna em seus sistemas.

Ademais, para identificação de autoria no cenário digital, não bastam somente os dados listados no referido artigo do Marco Civil da Internet[7], devendo o ofendido requerer informações adicionais, como a porta de origem, que permite a correta identificação da pessoa caso tenha acessado a internet por meio de IPv4 (Internet Protocol compartilhado entre diversas pessoas, impedindo a identificação de quem acessou o site em determinado dia e horário).

Expressamente, o Marco Civil da Internet não obriga que a rede social armazene ou forneça a porta de origem, contudo, a lei deve ser interpretada de modo teleológico, como fez o Superior Tribunal de Justiça em diversos precedentes, formando no leading case do Recurso Especial nº 1.784.156-SP o seguinte entendimento:

A obrigatoriedade de fornecimento dos dados de acesso decorre da necessidade de balanceamento entre o direito à privacidade e o direito de terceiros, cujas esferas jurídicas tenham sido aviltadas, à identificação do autor da conduta ilícita. Os endereços de IP são os dados essenciais para identificação do dispositivo utilizado para acesso à internet e às aplicações. A versão 4 dos IPs (IPv4), em razão da expansão e do crescimento da internet, esgotou sua capacidade de utilização individualizada e se encontra em fase de transição para a versão 6 (IPv6), fase esta em que foi admitido o compartilhamento dos endereços IPv4 como solução temporária. Nessa fase de compartilhamento do IP, a individualização da navegação na internet passa a ser intrinsecamente dependente da porta lógica de origem, até a migração para o IPv6. A revelação das portas lógicas de origem consubstancia simples desdobramento lógico do pedido de identificação do usuário por IP.

Com todos os dados necessários para identificação da conta que promoveu ofensas em redes sociais, pode a marca ou o seu titular buscar a responsabilização da verdadeira pessoa que antes havia mascarado sua identidade com o uso de perfil fake, buscando a reparação cível, com base no próprio Código Civil, ou, a indenização com base na Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/1996), por violação de sua marca.

Finalmente, existem formas dos fakes e haters mascararem o IP com o uso de VPN (Virtual Private Network) própria, que basicamente se trata de rede privada que impede a rastreabilidade do local de acesso, impedindo, consequentemente, a identificação da pessoa real. Isso não significa que nada possa ser feito, apenas que a estratégia deverá ser avaliada em cada situação concreta.

Outras medidas podem ser sempre tomadas para que a marca e o titular busquem a preservação de sua reputação digital, como a remoção do conteúdo ofensivo ou mesmo o direcionamento de campanhas de marketing que favoreçam sua credibilidade na internet. O importante é avaliar o cenário e ter em mente que a impunidade não é certa apenas porque o ato ocorreu na internet.

Autor: Eduardo Helaehil, advogado de direito digital e propriedade intelectual, formado na Universidade de Sorocaba e pós-graduando em Propriedade Intelectual e Novas Tecnologias na FGV São Paulo. Alumni do Data Privacy Brasil, ITS-Rio e LEC. Membro da Comissão de Direito Digital da OAB Subseção de Sorocaba.


[1] Dados da Pesquisa Global Digital promovida pelo We Are Social em 2019, disponível em https://wearesocial.com/blog/2019/01/digital-2019-global-internet-use-accelerates.

[2] Importante fazer o disclaimer de que o termo marca será usado no artigo de modo amplo, como como imagem geral da conta na rede social, e não apenas como ativo intangível de propriedade industrial, cuja proteção só é garantida com o registro de acordo com a Lei nº 9.279/1996. A intenção é demonstrar como identificar fakes e haters quando houver o ataque direcionado em rede social, violando a honra do titular da conta.

[3] Natura sofreu ataques em redes sociais após colocar Thammy em campanha do dia dos pais de 2020 para promover a diversidade, disponível em https://www.metropoles.com/celebridades/natura-sofre-ataques-apos-colocar-thammy-em-campanha-do-dia-dos-pais.

[4] Na ação nº 1002803-22.2016.8.26.0278, julgada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, foi reconhecido o abuso na liberdade de reclamar e criticar em rede social.

[5] Estudo Iceberg Digital realizado pela Kaspersky, disponível em https://www.kaspersky.com.br/blog/fake-news-brasil-pesquisa/14060/.

[6] Nada impede que a remoção do comentário ou post seja realizado de modo administrativo, o que se discute é a quebra de sigilo e identificação de autoria fora da esfera judicial, por vedação legal. Deve igualmente ser observado a recente Lei nº 13.709/2018, que tutela o tratamento de dados pessoais no Brasil, podendo impactar a investigação de crimes digitais, incluindo a identificação de autoria.

[7] Conjunto de informações referentes à data e hora de uso de uma determinada aplicação de internet a partir de um determinado endereço IP.

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