- Noções Gerais sobre violação dos direitos de autor de programa de computador
Ab initio, imperioso se faz a estratificação do delito em apreço, isto é, o levantamento do véu que cobre o núcleo do tipo penal, condicionando ao conceito analítico do enunciado normativo de caráter penal.
A doutrina mais abalizada[1] sedimenta que, o conceito analítico do delito ou estratificação da teoria do crime tem por escopo, ipsis litteris:
“o conceito que do delito obtemos por via da análise […] O que haveremos de anunciar serão suas características analiticamente obtidas, formando diversos planos, níveis ou estratos conceituais, mas o delito é uma unidade e não uma some de componentes”.
Portanto, o que se prospera com a estratificação do delito ou com o conceito analítico do comportamento desviado e, predisposto na norma penal incriminadora são “os elementos que propiciam o melhor entendimento da sua abrangência” [2].
Nesta senda, passamos à completa análise do ilícito penal previsto no artigo 12, da Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro de 1998, o qual dispõe sobre a violação dos direitos de autor relacionados ao programa de computador, o qual preleciona, in verbis:
Art. 12. Violar direitos de autor de programa de computador:
Pena – Detenção de seis meses a dois anos ou multa.
§ 1º Se a violação consistir na reprodução, por qualquer meio, de programa de computador, no todo ou em parte, para fins de comércio, sem autorização expressa do autor ou de quem o represente:
Pena – Reclusão de um a quatro anos e multa.
§ 2º Na mesma pena do parágrafo anterior incorre quem vende, expõe à venda, introduz no País, adquire oculta ou tem em depósito, para fins de comércio, original ou cópia de programa de computador, produzido com violação de direito autoral.
§ 3º Nos crimes previstos neste artigo, somente se procede mediante queixa, salvo:
I – quando praticados em prejuízo de entidade de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou fundação instituída pelo poder público;
II – quando, em decorrência de ato delituoso, resultar sonegação fiscal, perda de arrecadação tributária ou prática de quaisquer dos crimes contra a ordem tributária ou contra as relações de consumo.
§ 4º No caso do inciso II do parágrafo anterior, a exigibilidade do tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, processar-se-á independentemente de representação
1.1. Conceito analítico do crime de violação de programa de computador, comumente conhecido como pirataria de software:
Tendo vista que o objeto do presente estudo tem por escopo dar melhor compreensão para o delito de violação de programa de computador, na modalidade qualificada – artigo 12, § 2º, da Lei nº. 9.609, de 19 de fevereiro de 1.998 – passaremos a estratificá-lo de maneira direta.
No presente parágrafo (o 2º), temos a figura de um tipo misto alternativo ou de conteúdo variado, visto que no bojo do núcleo do tipo há inúmeros verbos típicos – tais como “vender”, “expor à venda”, “introduzir no País”, “adquirir”, “ocultar” e “ter em depósito” – e que, uma vez perpetrados quaisquer desses verbos, concretizado estará o crime em análise.
Não menos importante, apresenta-se o elemento subjetivo do tipo específico, consistente na expressão “para fins de comércio”, de modo que, caso o sujeito ativo do crime em deslinde promova um dos comportamentos descritos no núcleo, sem pretensão mercantil ou fim de comercialização do programa de computador violado, não há adequação típica, por ausência de preenchimento dos presente elemento subjetivo do injusto penal.
A objetividade jurídica ou bem jurídico tutelado no ilícito penal contido no artigo 12, parágrafo 2º da Lei nº. 9.609, de 19 de fevereiro de 1.998, assim como no caput do mesmo artigo, é a propriedade intelectual, isto é, franqueia ao inventor ou seus responsáveis, o direito à proteção pela sua criação.
Tal ilícito admite somente a modalidade dolosa e, no tocante ao parágrafo 2º, do artigo 12, vimos que há necessidade de um animus específico quanto há finalidade de mercantilização do programa de computador.
Superada essa questão introdutória da análise do tipo penal em apreço, passaremos a expor as nuances procedimentais do ilícito em questão quando há reflexos tributários ou violações aos direitos consumeristas.
2. Reflexos procedimentais quando resultam quaisquer dos crimes contra a ordem tributária ou contra as relações de consumo:
Notadamente, os delitos previstos na Lei que dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de computador, sua comercialização no País e et cetera possuem, em seu bojo, aspectos de natureza eminentemente particular, visto que o próprio Estado concede à vítima direta, o direito de promover as contendas criminais que lhe sejam afetas.
Tal apontamento diz respeito ao instituto da ação penal de iniciativa privada ou do ofendido, cuja própria norma penal incriminadora confere ao particular o direito de postular em juízo a condenação do autor do fato que, ofendeu seu direito à propriedade intelectual – sua objetividade jurídica.
No ponto, o professor Guilherme de Souza Nucci[3] aduz, com a maestria que lhe é peculiar, os seguintes dizeres:
“A ação penal privada é a transferência do direito de acusar do Estado para o particular, pois o interesse na existência do processo e, conseguintemente da punição, é eminentemente privado (art. 100, § 2º, CP). Note-se que não é transferido o direito de punir, mas tão somente o direito de agir”.
Entretanto, o parágrafo 3º, do artigo 12, da Lei 9.609, de 19 de fevereiro de 1.998, confere duas exceções. A primeira quando tais ilícitos penais trazem reflexos prejudiciais às “entidades de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista, ou fundação instituída pelo poder público”, seguindo, basicamente, uma regra geral da norma processual penal[4], a qual sustenta que todo e qualquer ilícito perpetrado, em detrimento do patrimônio ou interesse da União, Estado ou Município, a ação será pública. A segunda exceção ocorre quando, em virtude da prática de violação dos programas de computador, “ocorrer qualquer ilicitude atinente à arrecadação tributária ou crimes contra a relação de consumo”.
Uma vez mais, as lições do professor Guilherme de Souza Nucci[5] são providenciais para a elucidação da pretensão do legislador, senão vejamos:
“Cuida-se de disposição correta, uma vez que envolve interesse público na apuração do delito. Lembremos que a utilização não autorizada de um programa de computador reproduzido para qualquer fim não somente afeta o direito do autor, mas também o do Estado, que deixa de arrecadar o imposto sobre a circulação desse bem, além do tributo referente à renda que o próprio autor deixou de auferir”.
Em tal ponto é que aprofundaremos os estudos da matéria em voga, visto a vasta análise crítica, tanto em sede doutrinária quanto jurisprudencial acerca do objeto sub examine.
2.1. Da imprescindibilidade do esgotamento da via administrativa tratando-se de crimes contra a ordem tributária:
Como cediço, os crimes de natureza tributária possuem peculiaridades de natureza administrativa, visto que, antes mesmo de adentrarmos a esfera da ultima ratio – aplicabilidade da Lei Penal à casuística – imperioso se faz o esgotamento prévio da via administrativa, de modo a coibir o sujeito passivo ao pagamento dos tributos devidos, sem o rigor da norma penal adjetiva.
Tal modelo procedimental encontra-se insculpido no artigo 83, da Lei nº. 9.430/1996, com alteração dada pela Lei nº. 12.350/2010[6], de sorte a estimular a inutilização da ultima ratio para coibir os cidadãos ao cumprimento de seus deveres.
A doutrina mais autorizada acerca de temática assenta o referido preceptivo legal como óbice da movimentação da máquina estatal judiciária, em âmbito penal, senão vejamos:
“De acordo com o art. 83 da Lei 9.430/96, a Representação Fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária e aos crimes contra a Previdência Social, somente poderá ser encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final na esfera administrativa sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente. Assim, a Representação elaborada pelo Auditor-Fiscal deve ficar sobrestada até o trânsito em julgado do processo administrativo”[7].
Por oportuno, é salutar o entendimento remansoso esposado pelo Pretório Excelso, no que tange à exaustão de todo processo administrativo, para que, ulteriormente, se ingresse com a persecução penal, de modo a exigir do sujeito ativo do suposto ilícito penal, o devido cumprimento do quantum debeatur:
“1. É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto à necessidade do exaurimento de via administrativa para a validade da ação penal, instaurada para apurar infração aos incisos I e IV do art. 1º da Lei 8.137/1990. Precedentes: HC 81.611, de relatoria do ministro Sepúlveda Pertence (Plenário); HC 84.423, da minha relatoria (Primeira Turma). Jurisprudência que, de tão pacífica, deu origem à Súmula Vinculante 24 (…) 2. A denúncia ministerial pública foi ajuizada antes do encerramento do procedimento administrativo fiscal. A configurar ausência de justa causa para ação penal. Vício processual que não é passível de convalidação. 3. Ordem concedida para trancar a ação penal.
(STF, HC 100.333, de relatoria do Ministro Ayres Britto, Segunda Turma, julgamento em 21.06.2011, DJe de 19.10.2011).
De tal modo, insta enaltecer a edificação de entendimento sumular vinculante do Supremo Tribunal Federal, de número 24, o qual ostenta um caráter material dos delitos tributários, donde exige-se a demonstração de dano ao Erário, de sorte a exaurir o processo administrativo tributário, para ulterior ação penal perquirida pelo dominus litis:
Súmula Vinculante 24. Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº. 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.
Confluindo para tal entendimento, robustecendo ainda mais todos os elementos argumentativos trazidos à baila, nosso Tribunal da Cidadania, acompanhando a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal, assentou tratar-se de conditio sine qua non o trânsito em julgado da esfera administrativa, para posterior ajuizamento de exordial acusatória, elevando tal decisão administrativa à natureza jurídica de condição objetiva de punibilidade do agente:
“HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA (ART. 168-A DO CPB). CRIME OMISSIVO MATERIAL. DÉBITO EM DISCUSSÃO NO INSS. APLICAÇÃO DO ART. 83, DA LEI 9.430/96. DECISÃO ADMINISTRATIVA DEFINITIVA. CONDIÇÃO OBJETIVA DE PUNIBILIDADE. AÇÃO PENAL INICIADA ANTES DO ENCERRAMENTO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM CONCEDIDA, NO ENTANTO, PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL.
1. O crime de apropriação indébita previdenciária é espécie de delito omissivo material, exigindo portanto, para sua consumação, efetivo dano, já que o objeto jurídico tutelado é o patrimônio da previdência social, razão porque a constituição definitiva do crédito tributário é condição objetiva de punibilidade, tal como previsto no art. 83 da Lei 9.430/96, aplicável à espécie. Precedentes do STF e do STJ.
(STJ, HC nº. 102.596/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado 12.04.2010).
No ponto, fazendo um paralelo dos crimes relativos à violação de programas de computador e a perda de arrecadação tributária por parte do Estado, no tocante aos tributos afetos a cada ente da Federação, ponderamos que a comercialização de programas vulgarmente denominados “piratas” não é objeto de hipótese de incidência tributária, visto que seu fabrico e circulação realizam-se à espreita, não ostentando ingerência Estatal. Portanto, pode-se asseverar que há deveras perda de recolhimento aos cofres do Estado, em decorrência da prática de tais ilícitos.
De outra banda, é imprescindível que os órgãos de controle e, o próprio dominus litis – Ministério Público –, se policiem para galgar elementos de prova nesse sentido, sob pena de auferirem dissabores processuais descomunais, colocando em xeque, ademais, sua própria condução da lide penal, visto que uma vez reconhecida a inexistência dos ilícitos de natureza tributária, a legitimidade ativa para o crime estampado no artigo 12, § 2º da Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro de 1998 é conferida ao ofendido.
Nessa óptica, encontramos alguns arestos proferidos pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, os quais encampam tal linha de raciocínio. Vejamos:
Violação de direito autoral. Absolvição sumária, nos termos do artigo 397, III, do Código de Processo Penal. Inadmissibilidade. Conduta descrita na denúncia relativa à exposição de venda de CD’s e DVD’s de filmes que consubstancia fato típico. Indícios suficientes de autoria e prova material desse delito. Indicação dos títulos de parte das mídias apreendidas. Desnecessidade de identificação de todas as vítimas das contrafações verificadas. Laudo decorrente de perícia que é de consideração. Prosseguimento, portanto, da persecução penal, embora não se expresse juízo terminante sobre o mérito. Por outro lado, em relação às mídias referentes a jogos de videogame, conduta que, em tese, consubstancia o delito previsto no artigo12, parágrafos 2º e 3º, II, da Lei 9.609/1998. Nulidade do processo, nessa parte, que se impõe, nos termos do artigo 564, II, do Código de Processo Penal. Ação penal que se procede mediante queixa em razão da inocorrência das hipóteses excepcionais previstas no parágrafo 3º do supradito preceito da Lei 9.609/1998. Logo, ilegitimidade “ad causam” do Ministério Público. Recurso provido em parte, portanto.
Registra-se, por oportuno, não ser cabível, no caso sob exame, ao menos nesta oportunidade, enquadramento na situação prevista no inciso II do parágrafo 3º supramencionado, haja vista a insuficiência de elementos a esse respeito. E nem tampouco é hipótese da exceção outra (inciso I dessa norma).
(TJSP, Apelação nº. 0001455-40.2014.8.26.0024, 15ª Câmara de Direito Criminal, Rel. Des. Encinas Manfré, julgado em 18.08.2016).
E ainda:
“Apelação Ministerial – Desprovimento. Tratando-se de possível violação de direito autoral de programa de computador, não havendo prejuízo de entidade de direito público, além de não constar, no caso, efetiva sonegação fiscal ou mesmo crime contra as relações de consumo, a ação decorrente do crime deveria ser iniciada apenas por “queixa”, portanto, ação penal privada”.
(TJSP, Apelação nº 0033468-03.2010.8.26.0196, 14ª Câmara de Direito Criminal, Rel. Des. Wilson Barreira, julgado em 29.03.2012).
De plano, as cautelas, de praxe, dos representantes do Parquet são de suma importância, para que não incorram em precipitações desnecessárias, que convolarão no insucesso da persecução penal.
2.2. O reconhecimento da ilegitimidade do Ministério Público nos crimes de “pirataria” de software e o equívoco procedimental quando da decretação da decadência:
Em tempo, ante as pesquisas jurisprudenciais encartadas para a confecção do presente artigo, nos deparamos com um sem número de precedentes reconhecendo que, uma vez não comprovada a perda de arrecadação tributária ou adequação típica aos crimes contra a ordem tributária nos autos da Ação Penal, a ilegitimidade do Parquet dar-se-á invariavelmente.
Conseguintemente, os Tribunais forçam o reconhecimento da causa extintiva de punibilidade por parte do ofendido – autor do programa de computador – em virtude do instituto da decadência no direito de queixa.
Convém exemplificar, para melhor compreensão do tratamento dado à temática em voga:
O V. Acórdão de fls. 180/187, desta C. 4ª Câmara Criminal Extraordinária, cujo relatório se adota, de ofício, anulou o processo a partir da denúncia, em relação ao crime previsto no artigo 12, §1º, da Lei nº 9.609/98, e, em seguida, declarou extinta a punibilidade de Márcio Aurélio da Silva pela decadência, com fundamento no artigo 107, inciso IV, do Código Penal; no residual, deu provimento ao recurso defensivo, para absolvê-lo do crime previsto no artigo 184, parágrafo 2º, do Código Penal, com base no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. (TJSP, Apelação nº. 021493-37.2012.8.26.0576, 4ª Câmara Criminal Extraordinária, Rel. Des. Maurício Valala, julgado em 21.09.2016)
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“Violação de direito autoral ‘Game’ e ‘Videogame’ devem ser tidos como espécie de programa de computador, especialmente porque somente podem ser confeccionados através deste tipo de equipamento de informática – Incidência no caso do disposto na Lei 9.609/98 – Crime de ação penal privada – Inexistência de queixa ajuizada no prazo legal – Reconhecimento da extinção de punibilidade do agente” (Apelação Criminal nº 993071223107, Rel. Des. PAULO SÉRGIO MANGERONA, j. 28.08.2008).
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“VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL – Apreensão de DVDs de jogos de ‘playstation’ não originais Delito previsto na Lei n° 9.609/98 – Norma especial que prevalece – Ação penal privada – Ilegitimidade do MP para a ação – Decurso do prazo para queixa-crime – Extinção da punibilidade – Preliminar da D. PGJ, acolhida – Recurso de apelação prejudicado”. (Apelação Criminal nº 0000190-20.2010.8.26.0484, Rel. Des. NEWTON NEVES, j. 25.09.2012).
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“Violação de direito autoral. Exposição à venda de CDs de jogos eletrônicos. Crime comum de violação de direito autoral. Inocorrência. Conduta que tem como objeto a violação de programa de computador. Previsão expressa no art. 12, § 2º, da Lei nº 9.609/98. Ação penal de iniciativa privada. Recurso provido para anular o processo a partir da denúncia e, em seguida, reconhecer a decadência do direito de queixa, prejudicado o exame do mérito”. (Apelação Criminal nº 0007152-57.2008.8.26.0572, Rel. Des. ALEXANDRE ALMEIDA, j. 24.10.2013).
Vejamos a massiva incidência do reconhecimento da causa extintiva da punibilidade pela decadência, estampada no artigo 107, inciso IV, do Diploma Repressivo.
Na espécie, o conceito da decadência encontra-se amplamente sedimentado pela doutrina[8] e, traz em seu bojo os seguintes dizeres:
“Trata-se da perda do direito de ingressar com a ação privada ou de representação por não ter sido exercido no prazo legal […] A regra geral, estabelecida no art. 103 do Código Penal é a seguinte: “Salvo disposição expressa em contrário, o ofendido decai do direito de queixa ou representação se não o exerce dentro de 6 (seis) meses, contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime, ou no caso do § 3º do art. 100 deste Código, do dia em que se esgota o prazo para o oferecimento da denúncia” […] O prazo flui da data em que o ofendido ou seu representante souberem da autoria do crime, sendo fatal e improrrogável”.
Salta-se os olhos a imensidão de reconhecimentos do instituto em apreço, o que, notadamente, nos leva a crer que, o Estado-Juiz, no afã de se desincumbir do ônus que a toga lhe confere, decreta, in limine, a extinção da punibilidade pela decadência, sem, de fato, mergulhar no objeto do debate.
O cerne da questão é: não há incidência do instituto em lume, haja vista sequer ter-se iniciado o transcurso do prazo decadencial, visto que o ofendido a juris tantum, não tomou conhecimento de quem seria o sujeito ativo do ilícito penal, pois o ofendido – autor do programa de computador – não compõe a lide, pelo menos da prévia análise realizada ante os v. Acórdãos colacionados.
O mais prudente frente a tais casos seria aguardar o transcurso do lapso prescricional, visto que, neste momento, haver-se-ia a perda da pretensão ao direito do ofendido.
Em que pese não vislumbrarmos Acórdãos em sentido análogo, constatamos dois precedentes, os quais não reconheceram a causa extintiva da punibilidade pela decadência, com espeque nas razões supramencionadas, senão vejamos:
“Inviável, entretanto, a declaração de extinção da punibilidade pela decadência, já que não demonstrado se os detentores dos direitos autorais tomaram conhecimento da autoria do suposto delito (artigos 38 do Código de Processo Penal e 103 do Código Penal)”
(TJSP, Apelação 0014906-83.2010.8.26.0506, 14ª Câmara de Direito Criminal, Rel. Des. Hermann Herschander, julgado em 05.12.2013).
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Presentes essas realidades, impõe-se reconhecer a ilegitimidade ad causam do Ministério Público e, por conseguinte, se declarar a nulidade do processo desde o oferecimento da denúncia, consoante o disposto no artigo 564, II, do Código de Processo Penal apenas, como sobredito, em relação à exposição à venda de mídias referentes a jogos de videogame. Outrossim, não é cabível, por ora, a declaração de extinção de punibilidade pelo decurso do prazo decadencial, haja vista essa contagem se iniciar somente a partir do conhecimento pela vítima da autoria do delito, nos termos dos artigos 38 do Código de Processo Penal e 103 do Código Penal. Logo, como não se tem elementos suficientes para aferir dessa ciência, não há se falar no transcurso do lapso temporal para eventual oferecimento de queixa-crime.
(TJSP, Apelação nº. 0001455-40.2014.8.26.0024, 15ª Câmara de Direito Criminal, Rel. Des. Encinas Manfré, julgado em 18.08.2016).
Ante o exposto, em vista da vacilante jurisprudência acerca da temática em debate, urge o devido reclamo, para que se equalize tal questão da melhor metodologia técnico-jurídica, evitando deveras atrocidades na órbita dos direitos dos autores de programas de computador.
3. Considerações finais:
Pela breve exposição encartada acerca do crime previsto no artigo 12, da Lei 9.609, de 19 de fevereiro de 1998, temos que a utilização dos institutos pelos órgãos de controle (Polícia Judiciária e Ministério Público) vem se demonstrando afoita, visto que, no afã de conferir uma pena de reprimenda considerável ao suposto infrator acabam por renegar preceitos basilares acerca da matéria processual penal, tais como a cabal demonstração de ilicitude acerca da perda de arrecadação tributária.
Nesse norte, as consequências processuais, portanto, vem a reboque, pois uma vez não comprovada a ilicitude dos crimes contra a ordem tributária, a ilegitimidade do Parquet se convola manifestamente adequada, ante ao não preenchimento das exceções elencadas no § 3º, incisos I e II do artigo 12 da Lei 9.609, de 19 de fevereiro de 1998.
Ademais, o Estado-Juiz, com o atecnicismo edificado em precedentes colacionados ao presente trabalho, convém pela utilização dos institutos de ordem penal (decadência) que não se adequam às contendas e, portanto, merece uma dedicação mais rígida para o competente reparo.
Não se pode generalizar, por derradeiro, os v. Acórdãos, visto que em recentes julgados, o posicionamento tem oscilado pelo não reconhecimento da causa extintiva da punibilidade, liminarmente, o que é salutar, e merece, a partir de tal momento, um debate de relevo, para se pacificar a Jurisprudência.
[1] ZAFFARONI, Raul Eugênio. PIERANGELI. José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Vol. I, Parte Geral. 9ª Edição revista e atualizada. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, p. 340.
[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral e Especial. 7ª Edição revista, atualizada e ampliada. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, p. 173.
[3] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral e Especial. 7ª Edição revista, atualizada e ampliada. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, p. 590.
[4] Art. 24. Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.
§ 2o Seja qual for o crime, quando praticado em detrimento do patrimônio ou interesse da União, Estado e Município, a ação penal será pública.
[5] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas – Vol. II. 6ª Edição revista, atualizada e ampliada. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, p. 81.
[6] Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-lei nº. 2.848, de 07 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência do crédito tributário correspondente.
[7] KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. 9ª Edição revista, ampliada e atualizada. Editora Juspodivm. Salvador, 2012, p. 320.
[8] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral e Especial. 7ª Edição revista, atualizada e ampliada. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, p. 601-602.